CULTURA
Opinião: Roberto Alvim e artistas conservadores vão à ‘guerra cultural’
Alvim publicou em suas redes sociais, este mês, um chamado para ‘artistas conservadores’.
Publicado em 30/06/2019 às 9:00 | Atualizado em 01/07/2019 às 12:06
Meus primeiros contatos com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, aconteceram na década de 1980. Percepção que eu tive foi de aquele campus se tratava de um ambiente profundamente transformador, com capacidade para estimular reflexões e também para mudar a vida da sociedade (subjetivamente e objetivamente). Primeiras visitas foram a departamentos de Medicina e Engenharia Mecânica, mas terminei por me encantar por Jornalismo (que dividia instalações com as graduações de Artes e Relações Públicas).
Dividir espaços com profissionais e estudantes de Artes foi importante para a minha formação acadêmica e para o meu desenvolvimento pessoal. Muita gente envolvida com o debate e com o fazer cultural de nosso Estado passou pelo antigo DAC (Departamento de Artes e Comunicação). Gente apaixonada pela cultura e permanentemente pronta para o grande desafio de fazer arte sem muitos recursos. Arte polêmica e reflexiva como ‘Soy loco por ti, latrina’, dirigida por Antônio Cadengue (com Everaldo Vasconcelos e Paulo Vieira no elenco).
Muitos desses artistas miravam a vanguarda e também os pontos ideológicos mais voltados para a esquerda. Artistas que se sentiam marginalizados e que lutaram pelo reconhecimento do vanguardismo. Quatro décadas mais tarde, eles correm o risco de voltar para a marginalidade... É um incômodo saber que o teatrólogo Roberto Alvim será o diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte.
Alvim publicou em suas redes sociais, este mês, um chamado para ‘artistas conservadores’ criarem “uma máquina de guerra cultural”. Ele convocou profissionais alinhados com “os valores conservadores no campo da arte” a enviar seus currículos. O objetivo é formar um banco de dados de artistas que serão aproveitados para projetos.
Já escrevi neste mesmo espaço (mas em outra coluna) que a história mostra haver um grande número de artistas que trabalharam e defenderam lideranças políticas profundamente opressoras. Artistas que defenderam ditaduras sangrentas. Artistas que defenderam gestores capazes de legitimar a violência e o desrespeito. Artistas que semeiam a ideia de que o governo não deve governar para todos...
Leni Riefenstahl foi a cineasta do nazismo difundido por Hitler. Alexander Rodchenko trabalhou a serviço do governo russo após a Revolução de 1917. A história mostra dezenas de grandes artistas plásticos a serviço dos opressores em diversas partes do mundo e em diversos tempos. Nem me assusto mais...
Retrocesso
Sei bem que não é um problema ser o artista de direita. Não mesmo! O artista tem todo direito de ser conservador. Sei bem que o artista não precisa buscar o exercício do devir e pode sim defender pontos que entrem em divergência com o que chamamos de tradição. Um artista não precisa, claro, ser moderninho...
Mas, o artista – que não precisa mirar o futuro moderninho – não deve defender o retrocesso! Roberto Alvim aponta para um retrocesso, defendendo o ‘plano cultural’ do presidente. Ainda nas redes sociais, Alvim fez outra postagem sobre arte de direita e arte de esquerda: “(...) arte de esquerda é DOUTRINAÇÃO de todos os espectadores; arte de direita é EMANCIPAÇÃO POÉTICA de cada espectador", diz um trecho da postagem do dramaturgo, ferrenho demonizador dos governos petistas.
Alvim é conhecido na cena teatral por suas adaptações de clássicos e obras originais. Após descobrir um tumor no intestino, converteu-se ao cristianismo e garante ir à missa diariamente. Às vezes, duas vezes por dia. Este mês, ele anunciou o fechamento do teatro Club Noir, na Rua Augusta, em São Paulo (espaço que ele inaugurou em 2008 com a esposa, a atriz Juliana Galdino). Conforme o dramaturgo, a suspensão das atividades ocorreu devido ao ‘linchamento’ e ‘boicote’ gerados por seu posicionamento político (tornou-se de direita e passou a defender Bolsonaro).
Revanche
A percepção que tenho é de que essa nomeação representa algo profundamente negativo para a classe artística e que Alvim é emblemático daquilo que Bolsonaro ‘pensa’ sobre arte e cultura. Alvim e os artistas conservadores se dizem prontos para uma ‘guerra cultural’. Isso tem um cheiro forte de revanche contra aqueles que estiveram alinhados aos governos anteriores. Também cheira a alijamento e tentativa de normatização do conceito de arte...
Como se já não bastasse a série de cortes feitos na área cultural parece que teremos que enfrentar um ‘freio de burro’ no apoio à arte politizada e reflexiva. Nessa ‘guerra cultural’, senhoras e senhores, Roberto Alvim não é Dom Quixote nem Sancho Pança. Ele é o próprio moinho (só que real e bem perigoso)... Definitivamente, esse governo ainda nos apresentará muitas provas de que é inimigo das saudáveis loucuras da arte... É um governo que se identifica com o moinho... Prefiro a loucura a ser triturado pelas pás do moinho (mesmo que isso pareça loucura). Porque me apetece mais a arte que vai além...
* Jamarrí Nogueira escreve sobre arte, cultura e comportamento no Jornal da Paraíba aos domingos
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