CULTURA
Os mineiros inconfidentes
Publicado em 26/08/2012 às 8:00
José Lins do Rego é citado em dez passagens, entre trechos de cartas e notas de rodapé, do livro Cyro & Drummond (Editora Globo, 328 páginas, R$ 49,90), que ordena meticulosamente as 163 cartas trocadas pelos poetas e conterrâneos Carlos Drummond de Andrade e Cyro dos Anjos, ao longo de meio século de amizade.
Em uma delas, destacada no prefácio dos organizadores Wander Melo Miranda e Roberto Said, Drummond abandona a couraça serena e desabafa: "O arraial das Letras anda muito alvoroçado com os últimos produtos do engenho nordestino, que são uma tragédia de Raquel (de Queiroz, a peça Lampião), onde os personagens se matam a metralhadora em cena aberta, e o romance do Zé Lins (Cangaceiros), que teve a habilidade de descobrir novos palavrões, ou acepções novas dos antigos".
A crítica, que assume contornos mais implacáveis em outras cartas, é apenas o abre-alas do conteúdo que desfila nestas páginas lançadas em junho, na 10ª Festa Literária de Paraty (Flip), na programação em homenagem a Carlos Drummond de Andrade.
Na entrevista a seguir, Wander Melo Miranda, um dos autores que se dedicaram a devassar o volume epistolar guardado a sete chaves, no acervo dos escritores mineiros da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), releva: "Não há críticas de Drummond aos regionalistas, nenhum ataque pessoal, apenas diferença de ponto de vista em relação à literatura".
Além das cartas, de tom abertamente confessional, que registram o percurso dos poetas das Minas Gerais dos anos 1930 ao Rio de Janeiro dos anos 1980 (onde os mineiros se reencontravam e seguiam escrevendo um para o outro), um farto material iconográfico vem incluso, com fotografias, dedicatórias de livros, cartões postais e folhas datilografadas.
A reboque do lançamento de Cyro & Drummond, a Editora Globo republica Os Sapatos de Orfeu (Editora Globo, 338 páginas, R$ 45,00), biografia de Drummond escrita por José Maria Cançado.
Entrevista
JORNAL DA PARAÍBA - A opinião de Drummond acerca do regionalismo, em particular sobre a prosa de Raquel de Queiroz e José Lins do Rego, repercutiu de forma espantosa na imprensa nacional e, em particular, aqui na Paraíba, terra do autor de 'Menino de Engenho'. O que o senhor, como organizador, pensa do assunto? Não há uma aparente contradição entre o que está escrito nas cartas e nas crônicas como a que Drummond publicou logo após a morte de Zé Lins, elogiando o escritor?
Wander Melo Miranda - Não há nas críticas de Drummond aos regionalistas nenhum ataque pessoal, apenas diferença de ponto de vista em relação à literatura. O poeta propunha uma literatura de cunho mais 'universalista', que, sem perder sua marca local, pudesse ir além dela. Reage, sim, contra a predominância dos escritores do Nordeste na vida literária da época.
- Desde Kafka há aquela velha discussão: estariam os autores de acordo ao ver publicados textos que eles não tiveram a oportunidade de publicar em vida? Como organizador deste volume epistolar, o senhor acredita que Drummond aprovaria que tais escritos saíssem da esfera particular para a pública?
- O próprio Drummond publicou as cartas que Mário de Andrade lhe enviou. A publicação da correspondência entre escritores existe em todas as literaturas. É um instrumento valioso para a compreensão da obra de cada autor e da relação entre eles.
- Que tipo de 'sentimento de mundo', para usar o jargão do poeta, depreende-se da leitura das cartas de Cyro dos Anjos, nome que não chega a ser tão festejado no lançamento?
- Eram muito amigos, o que permitiu a confissão desabrida. Cyro mostra-se uma personalidade interessantíssima, o que diz muito da sua obra e sua participação na vida artística e literária da época.
- Como os coautores dividiram o trabalho de garimpo do material?
- O professor Roberto Said e eu trabalhamos sempre em conjunto. As cartas de Drummond estão no acervo de escritores mineiros da UFMG, onde trabalhamos, o que facilitou bastante o acesso ao material. As cartas de Cyro estão na Fundação Casa de Rui Barbosa, onde foram pesquisadas pelo professor Said.
- Como foi a seleção do material iconográfico que consta na obra?
- A seleção foi feita a partir de material disponível nas duas instituições citadas acima. Foi selecionado um grande número de fotos e documentos, de que se utilizou apenas uma pequena parte no livro.
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