CULTURA
Paraibano de Saramandaia
Vivido pelo ator Marcos Palmeira, personagem Cazuza Moreira, já foi interpertado pelo ator paraibano Manoel Rafael de Carvalho em 1970.
Publicado em 26/06/2013 às 6:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 13:48
Quem acompanha a nova roupagem da novela Saramandaia (Rede Globo) – ode ao realismo fantástico concebido por Dias Gomes que estreou esta semana – talvez não saiba que o personagem interpretado atualmente pelo ator Marcos Palmeira, o Cazuza Moreira, foi encarnado por um paraibano na sua versão original, nos anos 1970.
Foi o ator Manoel Rafael de Carvalho (1918-1981), natural de Caiçara, no Brejo paraibano, que figurava entre os personagens nada pitorescos que povoavam a cidadezinha fictícia de Bole-Bole – que está em pé de guerra entre os cidadãos para mudar seu nome para Saramandaia.
Dentre lobisomens, mulheres que não param de comer até estourar, coronéis cujas narinas equivalem a formigueiros e seres alados, Seu Cazuza é um dono de farmácia que seu coração ameaça saltar pela boca, literalmente, quando se exalta.
Tradicionalista convicto e pai de Marcina (Sônia Braga na versão antiga e Chandelly Brazser na atual), ele não aprova o namoro dela com o vereador João Gibão, um ‘mudancista’, que levanta a bandeira para a cidade trocar de nome.
Logo no início da novela, no calor de uma discussão entre bolebolenses e saramandistas, Seu Cazuza coloca os bofes para fora, tenta engoli-lo de volta, mas seu coração parece não encontrar o caminho certo e acaba morrendo. No seu enterro, ele ‘desmorre’ e ressuscita no meio do cortejo.
Foi partindo da sua atuação em Saramandaia que o pesquisador Jocelino Tomaz elegeu o ‘caiçarense do mês’, em 2010, e produziu uma exposição em maio do ano seguinte através do Atitude, grupo que produz projetos educacionais com base voluntária na região. “Rafael de Carvalho era um anônimo no Estado”, aponta.
Ao longo desses três anos, Jocelino foi adquirindo um acervo sobre o conterrâneo que passeia pelo teatro, literatura, cinema, TV, militância política e pesquisa, entre outros gêneros. A intenção é montar um memorial. “O que marca em Rafael de Carvalho para cravar entre os grandes da cultura paraibana é a sua versatilidade”.
RARIDADES GARIMPADAS
Com mais de 100 peças entre fotos, discos, livros, cordéis, revistas, vídeos e material pessoal, o pesquisador garimpou raridades do artista pelo país.
No acervo tem peças pessoais de Rafael de Carvalho como seu violão e indumentárias para a montagem de personagens, como o bigode do Coronel Coriolano na versão de 1975 da telenovela Gabriela.
Dentre os quatro (de cinco) LPs de 78 rotações gravados pelo paraibano, Jocelino Tomaz salienta uma música composta para o município brejeiro escrita em 1953 chamada ‘Adeus, Caiçara’. O disco foi encontrado pelo pesquisador no Museu da Imagem e do Som do Ceará.
Um dos LPs é O Boi da Paraíba, uma documentação do começo ao fim de uma apresentação do folguedo popular que também resultou em um livro homônimo lançado por Rafael de Carvalho no começo dos anos 1970, quando o artista morava no Rio de Janeiro.
Segundo Tomaz, o momento agora é avolumar o acervo. Quem tiver algo para doar sobre o caiçarense, basta mandar um e-mail para [email protected].
OBRA REUNIRÁ CORDEIS E POEMAS
A herança de Rafael de Carvalho, morto em 1981, aos 63 anos, vai além de personagens de novelas como Saramandaia, Gabriela e O Bem-Amado.
Ainda na TV, o paraibano estrelou em programas como Chico City, na extinta Tupi, onde interpretava o prefeito Torquato. Anos depois, a sua filha, a atriz e dubladora Nádia Carvalho, também participava do elenco liderado por Chico Anísio (1931-2012): fazia parte dos discentes da Escolinha do Professor Raimundo como a Dona Santinha Pureza.
Foram 33 filmes, entre eles Macunaíma (1969), O Trapalhão na Ilha do Tesouro (1975), Fogo Morto (1976) e Eles Não Usam Black-Tie (1981).
Além de músico e dramaturgo, Carvalho também se dedicava ao cordel e aos poemas. Um dos projetos do pesquisador Jocelino Tomaz é reunir sua obra em uma antologia intitulada A Poesia de Rafael de Carvalho.
“Ele sempre fez uma poesia muito politizada como uma forma de contestar a Ditadura Militar”, afirma. “Também falava de ecologia, um tema difícil de encontrar no país nos anos 1960”.
De acordo com Tomaz, nas raridades do cordel político do artista se encontra a Carta de Alforria do Camponês (1962), uma adaptação do Estatuto das Ligas Camponesas escrita pelo fundador pernambucano Francisco Julião (1915-1999).
O livro, de acordo com o pesquisador, está sendo produzido junto com ele por estudantes de Letras da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) que fazem parte do Grupo Atitude. Ainda não há previsão de lançamento para a coletânea.
O espólio de Rafael de Carvalho não restringe apenas à Paraíba. Adicionado ao seu resgate, o recém-lançado primeiro disco solo da cantora paulista Bia Goes, batizado de Selo Pôr do Som, tem duas músicas oriundas do paraibano: ‘É só socó’, um trava-língua habitual do compositor, e ‘Arrastapé’, canção interpretada originalmente pela ‘Rainha do choro’ Ademilde da Fonseca (1921-2012) no começo da década de 1950. (AJ)
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