CULTURA
Pintura íntima de Wilde
Obra-prima da literatura mundial ganhou recentemente uma inédita versão comentada e sem censura, que chega ao Brasil em edição luxuosa da Globo Livros.
Publicado em 30/06/2013 às 8:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 14:04
“Não vou viver além deste século. Os ingleses não tolerariam isso”, chegou a predizer Oscar Wilde (1854-1900) devido às críticas ferrenhas ao seu único e famoso romance, O Retrato de Dorian Gray, lançado na revista literária Lippincott's em 1890 e publicado na forma de livro um ano depois.
Considerado muito ousado para sua época, onde colecionava críticas como “O tédio e a imoralidade são os traços principais da Lippincott's deste mês” e adjetivos como “vulgar”, “sujo” e “infame”, a obra-prima da literatura mundial ganhou recentemente uma inédita versão comentada e sem censura, que chega chega ao Brasil em edição luxuosa da Globo Livros.
O Retrato de Dorian Gray: Edição Anotada e Não Censurada (Biblioteca Azul, 352 páginas, R$ 64,90) foi organizado pelo pesquisador Nicholas Frankel, professor de Inglês na Universidade de Virginia, EUA, que teve acesso ao original datilografado de Wilde.
“Seu trabalho era frequentemente alterado por outros – editores, produtores teatrais, ilustradores, tradutores – antes da publicação ou execução, muitas vezes para seu aborrecimento ou com a sua desaprovação expressa”, explica Frankel em entrevista exclusiva ao JORNAL DA PARAÍBA. “Isso ficou claro, cinco anos depois, quando até mesmo a primeira versão publicada do romance – mais tarde censurado pelo próprio autor pouco antes da publicação da obra em forma de livro – foi usada contra ele no tribunal como prova de suas tendências ‘sodomitas’”.
Após três julgamentos, o literato irlandês foi condenado há dois anos e, no cárcere, viu sua saúde se perder assim como sua liberdade.
Passaram-se três anos quando Oscar Wilde morreu, aos 46 anos, em virtude de um violento ataque de meningite agravado pela sífilis e pelo alcoolismo.
O livro mostra Dorian Gray, filho da aristocracia britânica que faz um pacto faustiano quando seu retrato pintado pelo amigo Basil Hallward – um artista liberto dos preconceitos da época até certo ponto – exibe todo o efeito de degeneração moral, ‘envelhecendo’ na moldura enquanto o modelo permanece belo e jovem.
“Oscar Wilde ganhou fama como dramaturgo e ensaísta”, aponta o tradutor da versão brasileira, Jorio Dauster. “A experiência teatral está ali refletida pela abundância de diálogos, que cuidei de modernizar ao usar o tratamento de ‘você’ na maioria dos casos, pois, embora talvez mais consentâneo com a época em que o livro foi escrito, o uso de ‘tu’ ou ‘vós’ me pareceu prejudicial à leitura nos dias de hoje”.
De acordo com o tradutor, a extensa introdução e as notas de Frankel enriqueceram a sua compreensão da obra ao traçar com clareza o panorama político-cultural da época. “Em especial, os fortes impulsos homofóbicos que contaminaram a receptividade ao livro e por fim destruíram seu autor”.
Dauster comenta que as notas relatam “pormenorizadamente a ação judicial que Wilde em má hora impetrou contra o pai de seu jovem amante, e que muito cedo se voltou contra ele quando diversas testemunhas revelaram seu envolvimento com o bas-fond homossexual londrino”.
Segundo Nicholas Frankel, o escritor irlandês promoveu mudanças sutis no final do romance quando foi lançado na forma de livro para apaziguar os críticos que o acusaram de imoralidade, além de dissociá-lo cada vez mais do personagem central.
“Além disso, deu a entender que os pecados de Dorian Grey não possuíam um forte conteúdo sexual, estando mais ligados a problemas financeiros e ao abuso do ópio”, explica Jorio Dauster. “É impossível não sentir a vergonha de Oscar Wilde em assumir a condição de autocensor. Ele deu ao romance um final moralista e mais convencional. Daí a relevância histórica do texto recuperado nesta nova edição”, complementa o tradutor.
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