CULTURA
Quadrinista mostra uma visão livre e adulta de Pinóquio
Outros personagens como a Branca de Neve e os sete anões fazem parte da reinvenção do garoto.
Publicado em 09/09/2012 às 8:00
A história do boneco de madeira que deseja se tornar uma criança de carne e osso após ganhar vida por uma fada é mais lembrada pelo longa-metragem em animação da Disney de 1940 do que pelo livro do italiano Carlo Collodi (1826-1890), As Aventuras de Pinóquio (1881).
O quadrinista Winshluss (pseudônimo do francês Vincent Paronnaud) deixa de lado vários conceitos da obra infantil – como o nariz que cresce quando o protagonista diz alguma inverdade – para mostrar uma visão bastante livre e adulta em Pinóquio (Globo Livros, 192 páginas, R$ 75,00).
A liberdade do artista consiste em transformar o garotinho de madeira em uma máquina criada pelo ganancioso Gepeto para fins bélicos. "Pinóquio da Disney foi a primeira animação a que assisti no cinema e tenho uma lembrança muito forte dele", chegou a contar Winshluss à Folha. "Eu adoro esses desenhos antigos, mas eles representam uma visão simplista de mundo e também imperialismo cultural. Meu trabalho consiste em perverter esse universo."
Pinóquio quase não tem texto, mostrando a força de seu enredo nos desenhos. A arte vai mudando de estilos conforme os contornos da trama. O traço vai do underground norte-americano, passando pelas pranchas cômicas de jornais do começo do século 20, até uma veia mais impressionista.
MORAL DA HISTÓRIA
A ideia do livro original era de passar uma 'moral da história' em cima da disciplina e suas consequências. Por isso, o Pinóquio se 'desfigurava' com um nariz grande quando mentisse ou aparecia orelhas e rabo de burro quando faltasse à escola, entre outras lições para o boneco merecer a condição de ser humano.
O quadrinista francês optou pelo humor negro e o teor mais adulto. Mesclando personagens de outros contos de fadas como Branca de Neve e os Sete Anões e criando outros, o autor vai distribuindo-os ao longo das páginas de forma aleatória, mas que ganham coesão ao longo do enredo.
Das lições de moral do original, praticamente nenhum resquício do enredo sobrevive pelo humor ácido de Winshluss. Além do descaracterizado Gepeto, o único personagem presente de As Aventuras de Pinóquio do Collodi é o Grilo Falante, que encarna a alusão de 'consciência' do pequeno boneco de madeira.
No lugar do grilo, uma barata preguiçosa e alcoólatra chamada Jimmy, que, depois de ser expulso do seu cafofo perto do fogão da cozinha de Gepeto, vai se alojar na cabeça do robô.
Procurando pelo cabo da TV na sua nova 'casa', o inseto arranca um fio que 'solta um parafuso' do Pinóquio.
O autômato de guerra abandona seu criador e parte para uma odisseia que envolve violência, sexo, crimes, cadáveres, mendigos, exploração infantil, fanatismo religioso e outras séries de críticas à sociedade atual. "Meu trabalho não é cínico nem nostálgico", afirmou o francês. "Queria falar da minha época, da minha visão das coisas, e não produzir uma adaptação fiel."
Premiado como Melhor Álbum no prestigiado Festival de Angoulême em 2009, Pinóquio é uma prova de que os quadrinhos autorais podem ter 'moral da história', mesmo que não seja ao público infantil.
EDIÇÃO BRASILEIRA
Não é só por conta da obra em si que pode ser considerada um dos grandes lançamentos do ano. Pinóquio traz uma edição luxuosa e bem cuidada.
Respeitando as dimensões do formato álbum do original europeu (21 cm x 29 cm), a HQ tem capa dura com detalhes laminados e páginas offset de 280 g/m², gramatura pouco usada pelas editoras (geralmente se observa um terço disso), garantindo também uma impressão acima da média.
O ponto negativo da edição da Globo Livros é não ter uma apresentação e biografia do autor, pouquíssimo conhecido por aqui, a não ser pela sua parceria cinematográfica com a iraniana Marjane Satrapi na animação Persépolis e no filme Frango com Ameixas.
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