CULTURA
Refazendo-se aos setenta
Gilberto Gil celebra seus 70 anos nesta terça-feira (26) com transmissão no Youtube da première de seu novo DVD.
Publicado em 24/06/2012 às 6:00
Se, como ele rima na canção, "toda coincidência tende a que se entenda", não é de se estranhar que os orixás trouxessem Gilberto Gil ao mundo justamente em um período no qual a identidade nordestina está tão aflorada: o junino.
Comemorando 70 anos na próxima terça-feira, o artista, que foi às raízes africanas da música popular brasileira para fazer brotar seu próprio caule musical, continua sendo uma das maiores expressões identitárias da 'Refavela': a "arte popular sob os trópicos de câncer e capricórnio", uma "aldeia de cantores, músicos e dançarinos pretos, brancos e mestiços".
"Gilberto Gil é um pensador de cultura e um crítico de valores", diz Cássia Lopes, autora do livro Gilberto Gil: a Poética e a Política do Corpo (Perspectivas, 368 páginas, a partir de R$ 35). "Suas canções problematizam o diálogo entre o poético e o político desde o tropicalismo, reimaginando o Brasil pela favela, refazendo geografias numa dimensão de trânsito entre o Brasil e a África", aponta a professora da Universidade Federal da Bahia.
O baiano que irá celebrar seu aniversário em grande estilo depois de amanhã, às 19h, com uma transmissão no Youtube da première de seu novo DVD, Concerto de Cordas e Máquinas de Ritmo, tem uma das cronologias mais importantes da MPB, retrospecto que alinha o seu nome ao de João Gilberto (que lhe inspirou a tocar violão na juventude) ou Caetano Veloso (uma das forças que lhe 'desviaram do caminho' da faculdade de Administração e com quem partilhou o exílio em fins dos anos 1960).
João Bosco lembrou desta época, em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA, evocando o primeiro show que viu do amigo ao retornar da Inglaterra, onde gravou o álbum homônimo com alguns dos hinos de sua carreira, como 'Cérebro eletrônico' e 'Aquele abraço': "Logo que ele voltou de Londres eu fui ver um show dele no Rio de Janeiro", conta Bosco. "Uma das primeiras músicas que ele cantou foi 'Coco do Norte', de Jackson do Pandeiro. Gil foi um compositor muito marcado pela música de Jackson e Luiz Gonzaga. Ele sempre trouxe um olhar muito novo sobre a música nordestina".
A relação com Luiz Gonzaga, em meio às efemérides do centenário do professor e aniversário do pupilo, também é evocada por Cássia Lopes: "Gosto de refletir sobre Luiz Gonzaga e Gilberto Gil na medida em que o sentido da obra pode não estar atrás, mas na frente. As poéticas dos dois se alinhavam em uma concepção social representada pela imagem da casa onde dança rico, pobre, branco, negro, todo mundo", compara a pesquisadora.
O GIL MINISTRO
Chico César é outro que ressalta os predicativos do colega como cantor, compositor e instrumentista: "Gilberto Gil tem sido um mestre na música brasileira. Músico completo, um dos nossos melhores violonistas da música popular, cantor consagrado, exímio letrista, pensador. É um exemplo de como um sujeito pode mudar, procurar novos caminhos para si mesmo, para seu trabalho, para sua atuação", elogia o paraibano.
O secretário da Cultura, Chico César, também assinala a relevância de Gil como vereador na Câmara Municipal de Salvador (entre 1989 e 1992) e ministro da Cultura do Brasil (entre 2003 e 2008): "Não bastasse toda sua vitoriosa trajetória artística, ele embrenhou-se no mundo da gestão pública e mesmo da vida político-partidária surpreendendo o país ao liderar a rediscussão sobre o próprio conceito de cultura".
Para Cássia Lopes, esta rediscussão foi fundamental para que o Brasil atentasse para a criação de um colonialismo interno, com a reprodução de uma nova metrópole no país: "Gilberto Gil denunciou as ausências da cultura brasileira e nos chamou atenção para um outro Nordeste: não o Nordeste anacrônico, mas o Nordeste produtor de criatividade".
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