Roma, o filme, poderia ser Jaguaribe ou Torre

O drama nos une, mas a solidariedade, a resistência e a esperança nos tornam mais fortes. Assistir ao longa-metragem mexicano ‘Roma’ é ter certeza dessa assertiva. É também ter a certeza de estar diante de um grande filme. Para começo de conversa, senhoras e senhores, ‘Roma’ é o filme do ano.

Falado em espanhol, com imagens em preto e branco e feito para exibição na NetFlix, ‘Roma’ tem o México dos anos 1970 como pano de fundo. Um país que sofre com a extrema pobreza e com os confrontos populares nas ruas. Em paralelo, o sofrimento coracional de uma família de classe média alta e também da protagonista, a paupérrima empregada doméstica Cleo...

Relacionamentos conturbados, destroçantes e desrespeitosos fazem parelha com o início de gestão do então presidente Luis Echeverría. ‘Roma’ retrata uma das maiores tragédias da história moderna do México: o Massacre de Corpus Christi, quando pelo menos 120 estudantes foram assassinados durante um protesto pacífico.

O longa-metragem sob direção de Alfonso Cuarón (o mesmo de ‘Gravidade’, com Sandra Bullock, George Clooney e Ed Harris, filme que ganhou o Oscar de melhor diretor em 2014) recebeu 10 indicações ao Oscar 2019 (cerimônia será dia 24 de fevereiro). No Globo de Ouro deste ano, ficou com as estatuetas de Melhor Diretor e Melhor Filme Estrangeiro (e teve indicação na categoria Melhor Roteiro).

‘Roma’ ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza e já foi eleito o melhor longa de 2018 por críticos em Los Angeles, Nova York, Chicago e São Francisco. Inspirado na infância de Cuarón, o filme é um relato tão árduo e direto quanto poético e metafórico. Imagens lindamente planejadas e outras que parecem saídas de um vídeo doméstico.

Se você está acostumado a assistir a filmes de ação americanos, vai achar ‘Roma’ longo e cansativo (a velocidade narrativa é mesmo outra e o filme dura pouco mais de duas horas). Personagens – muito bem dirigidas - parecem de verdade! Preste atenção nas falas, mas também nas ‘não falas’. Perceberá um elenco primoroso.

Time de atores e atrizes é formado por Yalitza Aparicio (Cleo), Marina de Tavira (Sofia), Nancy García (Adela), Verónica García (Teresa), Daniela Demesa (Sofi), Fernando Grediaga (Antonio), Marco Graf (Pepe) e Jorge Antonio Guerrero (Fermín). Esse último teve o visto negado pelo Governo Trump para assistir à cerimônia de entrega do Oscar.

O título do filme é uma alusão ao bairro mexicano onde a trama se desenrola, área habitada por famílias da classe alta na primeira década do século 20. No México setentista, o bairro é da classe média. Interessante destacar que Cuarón cresceu em uma casa na rua Tepeji, em Roma, que aparece em uma das cenas do longa.

Metalinguagem

Os muitos aviões (via imagem ou som) que aparecem durante o filme fazem referência ao sonho que de infância do diretor: ser piloto. Também porque Roma fica próximo de um corredor aéreo... E entre muitas aeronaves Alfonso Cuarón fica viajando nas próprias memórias afetivas...

Em tempo: Cuarón dedica o filme a ‘Libo’, que é a forma carinhosa como chamava Liboria Rodríguez, uma mulher de origem indígena que foi sua babá desde quando o cineasta tinha nove meses de idade. Assim como o filme mostra, uma ‘quase mãe’, uma ‘quase escrava’ e uma ‘quase irmã’. Libo é o motor de partida do roteiro de Cuarón.

A metalinguagem é outro recurso muito utilizado em ‘Roma’. Sessões de cinema durante o longa-metragem mostram cenas de ‘Sem rumo no espaço’ (1969), um dos filmes favoritos do diretor quando criança e que lhe serviu de inspiração para ‘Gravidade’. Outras cenas de ‘Roma’ também fazem referência a trabalhos anteriores de Cuarón, como ‘Filhos da esperança’ ‘E sua mãe também’ (2001).

‘Roma’ é um filme imperdível! Assista com aquela atenção que a análise de nossas tragédias humanas exige. Assista com a dulcidão que amores quebrados suplicam. Esteja certo de ‘Roma’ é um retrato amplo da América Latina. Roma parece um filme sobre a nossa aldeia... Poderia se chamar Ipanema, Copacabana... Santa Tereza, Jardim Paulista... Jaguaribe, Torre... Repito: imperdível!!!

* Jamarrí Nogueira escreve sobre arte e cultura no Jornal da Paraíba aos domingos.