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CULTURA

Show de música e censura

Histórico, 'Banquete dos Mendigos' reunia a nata da MPB, teve disco vetado pela ditadura e, pela primeira vez, ganha registro integral.

Publicado em 26/05/2015 às 6:00 | Atualizado em 08/02/2024 às 18:54

É Dominguinhos quem dá a dimensão do evento: “Nunca pensei que fosse levar tanto autógrafo pra casa. Gente famosa como o diabo hoje”. Reunindo uma constelação de estrelas da música brasileira, de Chico Buarque a Edu Lobo, passando por Milton Nascimento, Johnny Alf, Paulinho da Viola, Raul Seixas, Luiz Melodia e Gal Costa, entre outros, o show ‘Direitos Humanos no Banquete dos Mendigos’ acaba de ganhar registro integral, pela primeira vez no formado digital, em caixa com três CDs lançada pelo selo Discobertas.

A apresentação é um marco na história da música brasileira frente ao Regime Militar, que vigorou até meados dos anos 1980. Gravado clandestinamente pelo técnico de som Maurice Hughes na noite de 10 de dezembro de 1973 no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, a reedição parte das fitas originais, guardadas há mais de 40 anos pelo cantor e compositor Jards Macalé, garantindo uma ótima qualidade de som.

Jards e o poeta Xico Chaves foram os grandes articuladores do evento. A ideia inicial era um show coletivo em benefício de Macalé, à época sem gravadora e sem dinheiro. Mas ele foi convencido a reunir o elenco em uma causa maior: celebrar os 25 anos da carta que continha a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

“Como estacamos sob a bandeira da ONU, o MAM tornou-se território internacional”, recorda Macalé, em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA. Mas nem a blindagem da Organização das Nações Unidas evitou a repressão. “O jardim do MAM estava cercado, do lado de fora, por soldados do Exército, Aeronáutica, Marinha e policias Militares e Civis. Dentro da sala onde apresentávamos o espetáculo, vários provocadores e espiões do regime se misturavam ao público”.

Um público de quatro mil pessoas pagou entre Cr$ 10 e Cr$ 12 para assistir ao rol de 16 artistas que se dispuseram a colaborar com a causa e enfrentar a ditadura, incluindo o próprio Jards, MPB-4 (que acompanhou Chico Buarque), Gonzaguinha, Jorge Mautner, o obscuro grupo Soma (que trazia na formação o cantor Ritchie), Pedro Santos e Edison Machado.

“Todos estavam com o espírito de solidariedade, tanto artistas novos como as ‘estrelas’… o que interessava era a divulgação da carta dos Direitos Humanos, tidos como ‘palavrão’ ao regime de então”, relembra Macalé – os trechos da carta, lidos pelo poeta Ivan Junqueira, integram uma faixa do terceiro CD.

Segundo Macalé, não houve quem recusasse o convite. “Todos os que foram convidados, aceitaram participar do ‘banquete’”, comenta o músico, que na companhia de Xico Chaves convidou pessoalmente cada artista do elenco. “A ideia foi abrir retrato musical da época: de Raul Seixas a Johnny Alf, de Paulinho da Viola a Edu Lobo a Jorge Mautner, de Dominguinhos a Gal Costa, e assim por diante”.

Segundo um dos encartes dos CDs – que além das letras e créditos, traz a reprodução de documentos da época –, a censura vetou 70% do repertório, na intenção de inviabilizar o show. No palco, Chico diz que estava bastante desfalcado do seu repertório – “Infelizmente, só vou poder cantar coisa velhinha”, diz - e Edu Lobo teve que apresentar uma versão instrumental de ‘Viola de moda’, já que a letra havia sido vetada.

Mas naquela noite, cada número se tornou uma música de protesto contra a ditadura, até os versos de ‘Eu e a brisa’ (“ah, se a juventude que essa brisa canta”), clássico de Johnny Alf cantada em coro pelo público.

A renda do espetáculo foi usada para pagar a estrutura do show, rateada entre som, luz e gratificações. “Não sobrou nada pra mim”, lamenta Jards Macalé, entre risos. “Continuei devendo o aluguel”.

JARDS DEU LPS AOS MILITARES
Lançado originalmente sob o título O Banquete dos Mendigos - nome inspirado no célebre disco dos Rolling Stones, Beggars Banquet (1968) – o show ganhou registro pela primeira vez num LP duplo em 1979, cinco anos depois da apresentação.
Nesse tempo, o álbum foi vetado pelo regime militar, assim como sua divulgação – a imprensa, por exemplo, não poderia abordar o veto.

Os registros da época dizem que o lançamento do disco, em 30 de setembro de 79, contou com um solitário Jards Macalé cantando para 20 mil pessoas na Quinta da Boa Vista (RJ). Nenhum artista que subira ao palco do MAM participou.

Reza a lenda que o mesmo elenco que deu a cara à tapa contra os militares se irritou quando o polêmico Macalé viajou até Brasília com o LP debaixo do braço, na semana anterior ao lançamento, para presentear a alta cúpula do regime militar.

“Levei a Brasília o LP Banquete dos Mendigos e o presenteei aos ministros da Justiça e da Casa Civil, respectivamente Petrônio Portela e Golbery do Couto e Silva, para reforçar a política da abertura ‘lenta, gradual e segura’ que denotava indícios do esgotamento do regime ditatorial”, justifica o músico, quase quatro décadas depois.
O LP trazia um resumo da apresentação. Figuras como Raul Seixas e Gal Costa só tinham um número no vinil. Na caixa, cada um apresenta de três a quatro músicas, média de canções que cada convidado desenrolou durante o show.

Muitas das performances contidas no registro são memoráveis: a do próprio Raul, de Luis Melodia, do citado Johnny Alf e de Milton Nascimento, que inclui uma versão para ‘A felicidade’ (de Jobim e Vinicius) em meio a dois clássicos do Clube da Esquina (1972), ‘Cais’ e Nada será como antes’.

Chico Buarque, por sua vez, apresentou em primeira-mão uma música “chupada de Jorge Ben”. Era uma versão improvisada para ‘Jorge Maravilha’, que lançaria no ano seguinte sob o pseudônimo Julinho da Adelaide.

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Jornal da Paraíba

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