SILVIO OSIAS
Fest Aruanda começa hoje com homenagem e documentário sobre Jurandy Moura. O colunista já viu
Publicado em 01/12/2022 às 8:29 | Atualizado em 15/02/2023 às 18:28
O Fest Aruanda começa na noite desta quinta-feira (01). Na sessão de abertura, numa das salas do Cinépolis, no Manaíra Shopping, haverá uma homenagem póstuma ao cineasta, poeta e jornalista paraibano Jurandy Moura. Na homenagem, será exibido o documentário A Vida Simples de Jurandy Moura, de Marcus Vilar e Lúcio Vilar.
Uns meses atrás, Marcus Vilar me procurou. Queria gravar um depoimento para um curta-metragem que ele e Lúcio Vilar estavam realizando. Era um filme sobre Jurandy Moura, ainda sem título, que ficaria pronto para exibição na abertura do Fest Aruanda. O documentário teria a família de Jurandy (Carminha, Clarissa, Eduardo), o poeta Sérgio de Castro Pinto, o ator Fernando Teixeira, a atriz Zezita Matos e o cineasta Vladimir Carvalho.
Nesta quarta-feira (30), por uma gentileza de Marcus e Lúcio, tive acesso ao filme antes mesmo da sua primeira exibição. AVida Simples de Jurandy Moura me causou surpresa e me deixou com saudade do homenageado e dos anos 1970, o tempo em que convivi com ele.
Primeiro, a surpresa. De vez em quando, vejo fotos de Jurandy Moura. Essa que ilustra a coluna, uma outra em que ele está numa sala de montagem, mais uma em que aparece ao lado da nata do cinema paraibano dos anos 1960/1970. Mas nunca havia visto imagens em movimento. O filme de Marcus e Lúcio traz vídeo e áudio de Jurandy. São imagens raras, há poucas, e elas enriquecem substancialmente o curta-metragem.
Agora, a saudade. O documentário me deixou saudoso de Jurandy Moura, esse grande cara de quem estive tão próximo durante a década de 1970. Jurandy, li fazendo crítica de cinema e com ele convivi nas redações do velho Correio da Paraíba e de A União e em tantos ambientes da João Pessoa daquele tempo. Estou com 63 anos, e reencontrar, num curta, uma figura como Jurandy Moura também me deixa saudoso da juventude, da época em que sonhei com a crítica de cinema e dei os primeiros passos no jornalismo.
Ao gravar meu depoimento, Marcus Vilar deu a impressão de que teria dificuldade com material de arquivo para compor o filme. Se teve, A Vida Simples de Jurandy Moura não revela, as soluções encontradas no roteiro e na edição são muito eficazes. Marcus e Lúcio Vilar tiraram, através desse documentário, um retrato muito fiel e sensível de Jurandy. Retrato enriquecido ainda pelas cenas dos seus filmes - Festa do Rosário de Pombal e Padre Zé Estende a Mão, o mais importante - e pela leitura da sua poesia (Fernando!, Zezita!).
Marcus Vilar me disse - daí o título - que o filme é simples como era simples a vida de Jurandy Moura. O curta dele e de Lúcio é redondo, é eficiente, é justo com o homenageado, é necessário como exercício de preservação da memória, funciona muito bem. Jurandy era, sim, um homem simples, mas era um intelectual refinado, de personalidade complexa. Fez muita falta aos que foram seus amigos.
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Acrescento um texto que, no ano passado, escrevi sobre Jurandy Moura:
É bem fiel essa fotografia. Jurandy Moura. Os cabelos longos e cacheados. A miopia acentuada num tempo em que as lentes eram muito grossas e pesadas. Um sinal perto do lábio inferior.
Eu, na passagem da infância para a adolescência, o acompanhava de longe por causa do meu interesse pela crítica de cinema. No final da tarde de 24 de julho de 1972 - até a data ficou na memória -, o carro da reportagem de A União parou na frente da nossa casa, em Jaguaribe, e Jurandy, que estava atuando como repórter naquele momento, fora entrevistar meu pai, astrônomo amador, sobre o eclipse da lua que ocorreria na madrugada de 26 de julho.
Jurandy Moura em nossa casa, sentado no terraço! Não acreditei. Perguntei, para ter certeza, e, diante da confirmação de que era ele mesmo, ainda trocamos duas ou três palavras sobre cinema. Dois anos depois, quando Antônio Barreto Neto foi o avalista do meu ingresso numa redação, no velho Correio da Barão do Triunfo, meu primeiro editor foi justamente ele, Jurandy, a quem eu, muitas vezes, chamava apenas de Jura.
Que cara incrível! Cinema, música (adorava os discos de Nara Leão), literatura, muita poesia. E as grandes e irresistíveis conversas. Estivemos juntos ali no Correio de Teotônio Neto e, mais tarde, em A União. Editava o Correio das Artes.
Quando disseram, mas penso que era lenda, que a Censura não nos permitiria ver seu Padre Zé Estende a Mão, eu disse algo assim: "Bicho, a gente não pode ficar sem ver seu filme". Ao que ele respondeu, morrendo de rir: "É tão simples. será exibido num festival de cinema da Polônia".
Perto do final de 1980, num início de noite, o repórter policial Joel de Brito entrou na redação e nos deu a informação. Houvera um grave acidente de carro, e o morto, muito provavelmente, era Jurandy Moura. Corremos ao IML, que funcionava ao lado do Cemitério da Boa Sentença. Acompanhei Gonzaga Rodrigues e Agnaldo Almeida. E lá estava, sobre a pedra, o corpo sem vida de Jurandy.
Gonzaga e Agnaldo não tiveram forças e não entraram no necrotério. Conduzido pela juventude, nos meus 21 anos, entrei e foi daquele jeito, nu, com as marcas do acidente, que vi meu amigo pela última vez.
Dois dias antes, numa conversa de redação, ele me dera um afetuoso abraço, pondo a cabeça no meu ombro. Um pouco como na desfecho de Perdidos na Noite. Falávamos do filme, e eu vestia, ali, uma camisa de surfista, dessas bem coloridas, parecida com a de Dustin Hoffman no desfecho da história. Jurandy repetiu a cena, como se fosse o personagem de Jon Voight. Ele só tinha 40 anos.
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