SILVIO OSIAS
Tom Jobim era o sol da música brasileira
Neste domingo, oito de dezembro, faz 30 anos da morte do compositor.
Publicado em 07/12/2024 às 17:21 | Atualizado em 11/12/2024 às 9:04
Antônio Carlos Jobim morreu aos 67 anos no dia oito de dezembro de 1994. Neste domingo, oito de dezembro de 2024, faz 30 anos.
Publiquei em duas partes (quinta e sexta-feira), e agora segue na íntegra, um texto que escrevi no ano 2000 para o meu livro Meio Bossa Nova, Meio Rock'n' Roll.
Antônio Carlos Jobim, o maior compositor popular do Brasil e um dos maiores do mundo. Vejo o mestre da canção no palco do Teatro Guararapes e fico pensando em tudo o que ele fez.
É julho de 1991, quase 20 anos depois do dia em que um amigo deixou comigo dois discos de Tom: o primeiro, The Composer of Desafinado Plays, e Stone Flower, que, na época, era um dos mais recentes.
A década de 1970 estava começando, eu era um adolescente, e a sua música chegava à minha vida para ficar. Contemplo Tom Jobim no palco do Teatro Guararapes e penso no bem que ele fez ao Brasil com canções que atravessam o tempo como se acabassem de ter sido compostas.
Caetano Veloso me disse que Tom Jobim, do jeito que o conhecemos, só foi possível por causa de João Gilberto, com a solução rítmico-harmônica que este deu para o samba no violão e no canto. Mas Caetano também reconhece que Jobim é a realização máxima da potência musical brasileira, uma espécie de sol da nossa música.
Observo Tom Jobim no palco do Teatro Guararapes, estou diante de um homem raro e fico a pensar na influência enorme que exerceu sobre a geração que despontou nos festivais de música popular da segunda metade da década de 1960.
Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, cada um à sua maneira, todos lhe devem muito. Chico disse que tudo o que fez em música foi por causa dele. Edu é o mais jobiniano dos compositores dessa geração.
E Caetano resumiu numa frase a influência do mestre: "A exuberância esmagadora do seu talento tem sido, para os que crescemos à sua luz, mais estimulante do que inibidora".
A bossa nova foi duramente criticada e, de vez em quando, ainda é, por ter sofrido influência do jazz. Seus críticos, no entanto, esquecem ou não sabem que bem maior foi a influência que a bossa exerceu sobre o jazz. E, fora do jazz, sobre muita coisa que aconteceu na música popular do mundo dos anos 1960 para cá.
A bossa nova, obviamente, é uma das matrizes da new bossa e está presente também em Sting (é só ouvir Fragile, do disco Nothing Like The Sun), Paul Simon (lembram de So Long, Frank Lloyd Right?) e Eric Clapton (quem prestou atenção no número de abertura do seu MTV Unplugged?).
O astro pop George Michael gravou Desafinado num dueto com Astrud Gilberto, e o produtor dos Beatles, George Martin, confessou ser grande admirador de Jobim, com quem se encontrou quando esteve no Rio, em 1993. Por falar em Beatles, há um toque de bossa nova na versão de I'm Looking Through You incluída no projeto Anthology.
Se pensarmos no jazz e na canção popular dos Estados Unidos, dois discos mostram como os americanos se permitiram influenciar pelo ritmo brasileiro e pela música de Tom Jobim: Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim e Ella Abraça Jobim.
Neles, suas canções foram imortalizadas pelo maior cantor popular do século XX e pela mais clássica de todas as cantoras de jazz.
Dizzy Gillespie, Sarah Vaughan, Miles Davis, Stan Getz, Quincy Jones - todos se renderam ao talento de Tom Jobim e à importância da bossa nova.
Stan Getz gravou com João Gilberto - e Tom está lá, ao piano - um disco que é, a um só tempo, um clássico do jazz e da bossa: Getz/Gilberto.
Das oito faixas, uma é de Ary Barroso, outra de Dorival Caymmi, seis são de Jobim. Entre elas, em versão bilíngue, Garota de Ipanema, uma das canções mais executadas de todos os tempos, em todo o mundo.
O jazz foi importante para a bossa nova e para a música de Antônio Carlos Jobim, mas o Brasil foi maior. O Brasil de Villa-Lobos, de Radamés Gnatalli, de Ary Barroso, num compositor que escreveu samba, modinha, toada, baião, frevo, choro, valsa.
Um autor que mergulhou fundo nas raízes musicais do seu país e que fez da sua música um documento sonoro de amor aos caminhos do Brasil.
Dois temas têm que ser lembrados quando se fala dele: o amor a uma cidade, o Rio de Janeiro, e a defesa das causas ecológicas.
Com elas, Tom Jobim se preocupou muito antes que virassem moda e se orgulhava disto. Já o Rio, de tantas canções, recebeu a sua maior homenagem no Samba do Avião.
Escolher um dos seus discos é uma tarefa difícil, mas diria que Matita Perê, de 1973, é o que mais me impressiona, situado entre o clima semi-erudito da suíte Crônica da Casa Assassinada e esta obra-prima da canção popular que é o samba Águas de Março.
Citaria também o álbum-duplo que, em 1987, ao lado da Banda Nova, gravou para ser distribuído pela Odebrecht como brinde de final de ano.
O disco, que só chegou ao mercado após a sua morte, com o título de Tom Jobim Inédito, é uma soberba revisão do seu extenso cancioneiro.
É julho de 1991, vejo Tom Jobim no palco do Teatro Guararapes, de volta para o bis depois de um show irrepreensível, e fico imaginando o que poderá tocar.
A plateia faz alguns pedidos, mas a escolha é dele: Eu Sei que Vou te Amar, a íntegra da suíte Gabriela e Garota de Ipanema, um bis digno de um grande compositor.
No dia oito de dezembro de 1994, aos 67 anos, Tom Jobim morreu em Nova York, na mesma data e na mesma cidade onde, 14 anos antes, morrera John Lennon.
Eu estava numa loja de discos quando soube da notícia. Fui ao CD player e ouvi Fly Me To The Moon, que, fazia poucas semanas, Tom gravara com Frank Sinatra.
Fly Me To The Moon, que no dueto é, ao mesmo tempo, jazz e bossa nova, funcionou, ali, como singelo retrato de uma conquista que deve ser atribuída a Tom Jobim e à bossa nova: o reconhecimento internacional da música popular brasileira.
Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim direcionou seu talento ao que é belo, e o Brasil será sempre grato a ele.
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Antônio Carlos Jobim em 12 álbuns
Discografia solo/autoral
The Composer of Desafinado Plays, 1963
The Wonderful World of Antônio Carlos Jobim, 1964
A Certain Mr. Jobim, 1965
Wave, 1967
Stone Flower, 1970
Tide, 1970
Matita Perê, 1973
Urubu, 1976
Terra Brasilis, 1980
Tom Jobim Inédito, 1987
Passarim, 1987
Antônio Brasileiro, 1994
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