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SILVIO OSIAS

A beleza suaviza a dor no novo filme de Pedro Almodóvar

Vencedor do Festival de Veneza, O Quarto ao Lado está em cartaz nos cinemas brasileiros.

Publicado em 29/10/2024 às 5:47


				
					A beleza suaviza a dor no novo filme de Pedro Almodóvar
Foto/Divulgação.

Antônio Cícero morreu por eutanásia dois dias antes da estreia de O Quarto ao Lado nas salas brasileiras. A coincidência torna mais forte a experiência de ver o novo filme de Pedro Almodóvar, que se debruça sobre uma personagem com câncer que opta pela eutanásia e chama uma amiga para estar ao seu lado na hora da morte.

O Quarto ao Lado é o primeiro longa-metragem de Almodóvar falado em inglês. Chega aos cinemas depois de ter levado o Leão de Ouro no último Festival de Veneza. É baseado no livro O que você está enfrentando, da escritora novaiorquina Sigrid Nunez.

A atriz britânica Tilda Swinton fará 64 anos na próxima semana. A atriz estadunidense Julianne Moore fará 64 anos em dezembro. As duas são as protagonistas do filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar, que acabou de completar 75 anos.

Ver duas grandes atrizes em cena traz a lembrança de outros filmes em que vimos duas grandes atrizes em cena. Em especial, me ocorrem dois momentos do diretor sueco Ingmar Bergman: Persona (1966) e Sonata de Outono (1978). No primeiro, Bibi Andersson e Liv Ullmann. No segundo, Ingrid Bergman e Liv Ullmann.

O Quarto ao Lado dialoga com Persona. Até o cartaz dos dois filmes se parecem. Se quisermos, O Quarto ao Lado dialoga com outro Bergman: o de Gritos e Sussurros (1972), que, com seus vermelhos berrantes, mostra uma mulher morrendo de câncer.

O novo filme de Pedro Almodóvar traz outros diálogos com o cinema. A personagem de Julianne Moore se chama Ingrid, como a Ingrid Bergman de Viagem à Itália, que Roberto Rosselinni, então casado com a atriz sueca, realizou em 1954. As duas protagonistas de O Quarto ao Lado vão ao cinema ver Viagem à Itália.

Na casa nos arredores de Woodstock, que Martha, a personagem de Tilda Swinton, aluga para passar seus últimos dias, as duas amigas se divertem vendo Buster Keaton numa comédia muda dos anos 1920, e é lá também que as duas mulheres veem Os Vivos e Os Mortos, com o qual Almodóvar dialoga em O Quarto ao Lado.

Aí, Pedro Almodóvar junta cinema e literatura. Os Mortos é um dos contos do livro Dublinenses, que James Joyce publicou em 1914. Os Vivos e Os Mortos é como John Huston filmou o conto de Joyce em 1987. Os Vivos e Os Mortos, que fala da vida e da morte, foi o último filme realizado por Huston.

Há um momento da narrativa de O Quarto ao Lado em que Martha mostra que sabe de memória o final do conto Os Mortos. E há uma citação explícita ao conto de Joyce e ao filme de Huston no desfecho do filme de Almodóvar, com a neve que cai ao amanhecer e o texto que ilustra a cena.

Temas da atualidade - a crise climática, o avanço da extrema-direita, o fanatismo religioso - passam rapidamente pelo filme de Almodóvar através do personagem de John Turturro, que, no passado, foi namorado tanto de Martha quanto de Ingrid.

Mas as questões principais de O Quarto ao Lado são temas permanentes da existência humana: a passagem da vida, a relação com o passado, a proximidade da morte, o medo da finitude, a escolha de colocar fim à prória vida, as dores coletivas (Martha atuou como correspondente de guerra) confrontadas com as dores individuais.

Pedro Almodóvar é um homem velho. É natural que contemple a morte. Em O Quarto ao Lado, ele o faz com serenidade. A crítica tem dito que a troca do espanhol pelo inglês tornou o filme frio e superficial. Não me parece justo.

Sem abrir mão do singular uso de cores fortes que se tornou uma das suas assinaturas, o que Pedro Almodóvar faz é encarar a morte com terna poesia. Em O Quarto ao Lado, há tanta beleza que esta chega a suavizar a dor.

Foto/Divulgação

Silvio Osias

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