SILVIO OSIAS
A gente precisa ouvir canções alegres num momento cheio de canções tão tristes
Publicado em 08/06/2021 às 7:22 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:51
Em alguns dos muitos shows de Roberto Carlos que vi, ele repetia uma fala (deve ser texto, claro) que dizia mais ou menos assim:
Que, em momentos de grande tristeza, ele cantou canções alegres.
E que, em momentos de grande alegria, ele cantou canções tristes.
Venho lembrando disso há alguns dias, enquanto vejo o Brasil desmoronando.
Ora, que bobagem - dirão -, filosofia barata do Rei para traduzir a nossa tragédia.
Nesta segunda-feira (07), voltei a essa fala de Roberto Carlos ao ouvir o relato de uma amiga jornalista que mora em Portugal.
Ela contou de um passeio com um outro brasileiro, que também está morando lá, e um cachorro que acabara de ser adotado.
Um parque, um homem, uma mulher, um cão, um momento sem máscaras. E uma felicidade extrema - ouvi da minha amiga. Embora bem fugaz.
Ao relato dela, somou-se um breve comentário sobre pequenas alegrias. E sobre o quanto estamos precisando delas.
Foi aí que tentei trazer a fala do show de Roberto Carlos para a tragédia - sanitária e política - brasileira e transpor essa história de canções alegres e canções tristes para a nossa realidade.
O que temos, na realidade, é um cenário de profunda tristeza e uma ausência quase total de felicidade.
Precisamos, então, de pequenas alegrias (as canções alegres) para um cenário de imensa tristeza.
Fiquemos, portanto, sem as canções tristes porque o cenário não é de alegria.
Sabe aquele livro que você já tem, já leu, mas comprou de novo só por causa da fortuna crítica da nova edição?
Esse livro é uma canção alegre durante a pandemia.
Sabe aquele papo com uma jovem psicóloga, feminista, muito articulada, sobre o que há de hétero e o que há de homo na dança de Mick Jagger?
Esse papo é uma canção alegre enquanto estamos sob a ameaça da Covid-19.
Escolha suas canções alegres.
Elas podem ser sobre qualquer coisa.
Ou elas podem ser qualquer coisa, menos canções.
E deixe as tristes para um tempo que a gente ainda não sabe quando virá nem como será.
Eu quis falar disso aqui, num texto com jeito de crônica, mas temi que fosse um assunto piegas demais.
Aí, à noite, conversando ao telefone com uma amiga da área de marketing, contei essa história toda pra ela.
E só resolvi escrevê-la quando ela me disse que teve vontade de chorar.
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