SILVIO OSIAS
A história de Collor, de tão absurda que é, parece ficção
Minissérie disponível no Globoplay se debruça sobre a trajetória do ex-presidente.
Publicado em 03/11/2025 às 6:43 | Atualizado em 03/11/2025 às 6:54

Fernando Affonso Collor de Mello. Fernando Collor. Collor. Eleito presidente da República em 1989, sofreu impeachment em 1992 e hoje, aos 76 anos, cumpre prisão domiciliar.
Fernando Collor não aprendeu a lição. Sofreu um impeachment, amargou anos de ostracismo, voltou como senador por Alagoas e terminou condenado por corrupção.
O pai, o senador Arnon de Mello, atirou num colega dentro do Senado. Errou, mas matou um suplente que, naquele dia, estava devolvendo o mandato ao titular.
Fernando Collor nasceu no Rio de Janeiro, mas, na política, se fez em Alagoas. Foi prefeito biônico, deputado federal, governador eleito e, finalmente, presidente da República.
A história de Fernando Collor é contada em Caçador de Marajás, minissérie em sete episódios dirigida por Charly Braun. O conteúdo está disponível no Globoplay.
Eu tinha 30 anos em 1989, quando Collor foi eleito presidente da República. Jamais votaria num cara como ele. Como jamais votaria num político como Jair Bolsonaro.
Collor e Bolsonaro. Este pior do que aquele. Mas, os dois, homens intrinsecamente maus. É difícil crer que tenham chegado à Presidência da República com milhões de votos.
Sou contemporâneo da construção do personagem. A largada foi quando Collor se apresentou como caçador de marajás ao assumir o governo de Alagoas, em 1987.
Claro que era tudo mentira, mas milhões de brasileiros acreditaram nele e o fizeram ser o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois de 21 anos de ditadura militar.
O governo de Collor durou menos de três anos e terminou, em dezembro de 1992, com a renúncia aos 45 minutos do segundo tempo de um processo de impeachment.
A minissérie Caçador de Marajás conta tudo. Ou quase, porque esquece de dizer que, além de tudo de ruim que fez, Collor ainda acabou com o cinema brasileiro.
A Globo ajudou a botar Collor no poder, ajudou a tirar e, hoje, narra a sua história - é a prova cabal de que o Brasil, como dizia Tom Jobim, não é para principiantes.
A passagem de Fernando Collor pelo Palácio do Planalto é uma tragédia brasileira. Eu acredito nessa história porque vi acontecer, porque sou testemunha ocular dela.
Mas não parece real e, sim, ficção, de tão absurda que é. Tem ingredientes - incluindo os familiares - que se sobrepõem à vida real, são da literatura, do cinema, da televisão.
Em 1989, um pouco antes da eleição, Celso Furtado me disse que as elites brasileiras eram tão atrasadas que, àquela altura, não assimilavam nem Ulysses Guimarães.
E assegurou que Fernando Collor venceria a eleição em segundo turno. Collor, que Brizola chamava de filhote da ditadura, disputou uma eleição com mais de 20 candidatos.
O professor Celso Furtado sabia das coisas. Ele me convenceu não somente da vitória de Collor, como também de que era Lula, e não Brizola, que iria para o segundo turno.
Não faço a mínima ideia de como Caçador de Marajás, a minissérie, será recebida por quem não foi contemporâneo de Fernando Collor na Presidência da República.
Quem - como eu - foi, poderá ver estarrecido como são essas tragédias brasileiras, e o preço que pagamos por elas. Jânio em 1960, Collor em 1989, Bolsonaro em 2018.
O confisco da poupança, o romance de Zélia Cardoso com Bernardo Cabral, o esquema de corrupção de PC Farias, a cocaína, a cunhada linda, o irmão preterido e enciumado.
As mortes que se seguiram à queda de Collor: o câncer fulminante do irmão, a mãe que nunca se recuperou do AVC sofrido durante a crise política, o assassinato de PC.
É tudo verdade. Foi exatamente assim que aconteceu. Quem se apresentava como caçador de marajás, era um despreparado para a complexidade do jogo político.
Depois vieram Itamar, FHC, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro e Lula de novo. E o Brasil segue em seus permanentes impasses políticos. "Entre a delícia e a desgraça/Entre o monstruoso e o sublime" - como disse Caetano Veloso numa música do tempo de Collor.

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