SILVIO OSIAS
Agressão a Gilberto Gil é retrato vivíssimo do que o presidente Jair Bolsonaro fez com o Brasil
Publicado em 28/11/2022 às 6:30
Gilberto Gil gosta muito de futebol. Ele torce por vários times. Na Bahia, é Bahia. No Rio de Janeiro, é Fluminense. Em São Paulo, é Santos. Em Minas Gerais, é Cruzeiro. No Rio Grande do Sul, é Grêmio. Em Pernambuco, é Santa Cruz. E, na Inglaterra, é Chelsea, equipe que passou a admirar quando estava exilado em Londres.
Em 2014, Gil não fez sua tradicional turnê no verão europeu para ficar no Brasil e assistir aos jogos da Copa do Mundo. Agora, em 2022, está no Catar para ver a Seleção Brasileira nos três jogos da fase classificatória da Copa. Viajou com sua mulher, Flora, e os netos Francisco e João (Foto/Reprodução).
Neste domingo (27), amanhecemos com o vídeo em que Gil é ofendido por um bolsonarista quando, com Flora ao seu lado, já no interior do estádio, está se dirigindo às cadeiras para assistir ao jogo entre Brasil e Sérvia. O agressor, com uma camisa amarela, fala em Bolsonaro, na Lei Rouanet e acaba chamando Gil de filho da puta.
Costumo dizer que Gilberto Gil é uma das grandes belezas do Brasil. É um compositor extraordinário de uma geração de gigantes da nossa canção popular. Está com 80 anos, tem carreira internacional, já cantou no plenário da ONU, foi ministro da Cultura, é membro da Academia Brasileira de Letras.
Gil é um artista imenso e também um cidadão permanentemente atento e preocupado com as questões cruciais do Brasil e do planeta. Modernizou a canção popular do seu tempo, provocou rupturas estéticas, mas é um homem de espírito conciliador, generoso e sereno, sempre propenso a compreender e conviver com as diferenças.
Em algum momento do governo de Bolsonaro, Gilberto Gil revelou que rezava pelo presidente. Muita gente questionou sua atitude, mas eu entendi. Acredito que Gil rezava para que Bolsonaro pudesse ser bom, pudesse fazer o bem, se identificasse com as coisas certas. Rezou - digo eu - para que o presidente deixasse de ser mau.
A agressão a Gilberto Gil é um retrato vivíssimo do que o presidente Jair Bolsonaro fez com o Brasil. 57 milhões elegeram Bolsonaro em 2018. 58 milhões votaram nele um mês atrás, quando o presidente foi derrotado em sua tentativa de reeleição. Seria trágico demais imaginar que 58 milhões de pessoas fariam o que o torcedor fez com Gil no Catar, mas é triste e necessário admitir que alguns milhões agiriam do mesmo modo.
Gil falou em terceiro turno na mensagem que gravou agradecendo aos que a ele e a Flora prestaram solidariedade. É, estamos mesmo no terceiro turno do processo eleitoral. As pessoas permanecem há quase um mês em frente aos quartéis, pedindo socorro aos militares. Não aceitam a vitória de Lula, querem uma ditadura. Falta sanidade a elas nesse transe coletivo provocado por Bolsonaro e alimentado por aliados do presidente.
O que aconteceu com Gilberto Gil no Catar é real, realíssimo. Mas também tem uma força simbólica. É representação de como o Brasil ficou depois que as forças de extrema-direita lideradas por Jair Bolsonaro chegaram ao poder. O otimismo recomenda que acreditemos na superação de tudo isso que estamos testemunhando, mas não é fácil ter essa crença. Ainda há uma dura luta cotidiana e muita indignação pela frente.
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