SILVIO OSIAS
Ainda presidente, Bolsonaro deu uma banana para a democracia e se mandou para os Estados Unidos
Publicado em 01/01/2023 às 9:40
Serei cuidadoso. Vou usar entre aspas. Na sexta-feira, 30 de dezembro, ainda presidente, Jair Messias Bolsonaro "fugiu" para os Estados Unidos. Abandonou o cargo. Deu uma banana para a democracia que o elegeu presidente da República em 2018. A foto que abre a coluna não é do dia da "fuga". É de um dia qualquer do mandato de Bolsonaro. Uso como ilustração, não mera, porque o seu governo, com perverso e abominável ineditismo, foi uma permanente banana para as regras democráticas, para o verdadeiro jogo político, para as instituições, o processo civilizatório, o Brasil e os brasileiros.
A comparação da "fuga" de Bolsonaro com a fuga do personagem de Reginaldo Faria no final de Vale Tudo não é minha. Está nas redes sociais e também na mídia. Na telenovela da Globo, o vilão fugiu e, literalmente, deu uma banana para o Brasil. Na cena, cantado por Gal Costa, o samba de Cazuza dizia: "Brasil, mostra a tua cara/Quero ver quem paga pra gente ficar assim". Em certa medida, há pertinência na comparação da fuga de Vale Tudo com a "fuga" de Bolsonaro. Mais de três décadas depois (a novela foi exibida entre maio de 1988 e janeiro de 1989), não é exagero dizer que a vida real imitou a ficção.
A um só tempo, foi bom e foi ruim ver Jair Bolsonaro "fugir" para os Estados Unidos. Ruim pelo que há de ataque à democracia no gesto do ainda presidente. Vimos pela primeira vez: um presidente da República abandona o posto e "foge" para outro país a dois dias de passar a faixa presidencial àquele que foi eleito democraticamente para sucedê-lo. Ruim, mas nem um pouco surpreendente. É somente Bolsonaro sendo Bolsonaro. Mas também foi bom, muito bom. Com a decolagem do avião que levava Bolsonaro aos Estados Unidos, veio uma imensa e inenarrável sensação de alívio. Estávamos, por fim, livres dele. Pelo menos dele na condição de presidente da República.
2023 começa neste domingo com a posse de Lula. A sua volta ao poder permite algum otimismo, alguma esperança. Digo algum e alguma porque a gente sabe que não será fácil. Lula tem pela frente a tarefa de reedificar a democracia brasileira, de reconstruir o que, concreta e intencionalmente, foi destruído nos últimos quatro anos. Missão muito difícil porque todos sabemos o quanto as intenções estão distantes das reais condições de transformá-las em gestos. Mas é o que temos. E já é muito, se pensarmos no que tivemos desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência, quatro anos atrás.
Lula montou um ministério possível, um bom ministério. Uma equipe de trabalho que reúne, com toda sua diversidade, representações muito importantes da vida brasileira. A tarefa de reconstruir o Brasil é de Lula, dos seus auxiliares e da fatia da classe política verdadeiramente comprometida com a democracia. Nada, no entanto, será possível sem o engajamento, as cobranças e o olhar permanentemente atento de quem, fora do governo, sabe que a estabilidade democrática é um valor inegociável. Torçamos pelo êxito do governo do presidente Lula. Torçamos pelo futuro do Brasil.
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