SILVIO OSIAS
As vitórias de Ainda Estou Aqui são vitórias da democracia brasileira
Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro por seu desempenho no filme de Walter Salles.
Publicado em 06/01/2025 às 9:30 | Atualizado em 06/01/2025 às 14:05
Um dia desses, escrevi na coluna que Ainda Estou Aqui não precisa do Oscar. Não seria diferente, escreveria também que Ainda Estou Aqui não precisa do Globo de Ouro.
É verdade. Oscar, Globo de Ouro. Não costumo me empolgar com esses prêmios sempre tão associados à luta por espaço na indústria do cinema dos Estados Unidos.
Adoro os grandes mestres do cinema americano (os americanos e os não americanos que foram para Hollywood), como adoro o jazz, o blues e o rock. Mas devo conservar algum resquício de antiamericanismo muito presente nos que tiveram a minha formação.
Dito isso, darei a mão à palmatória. O Globo de Ouro conquistado por Fernanda Torres neste domingo, 05 de janeiro de 2025, mais do que me empolgou, me emocionou.
Alguns filmes passaram pelo meu cinema transcendental. O dia em que, uns 40 anos atrás, fui à inauguração do Cine Banguê, e o filme em cartaz era o belo Inocência. Dirigida por um outro Walter, o Lima Jr., lá estava Fernanda Torres em seus 18 anos.
A próxima Fernanda Torres que guardo fortemente na minha memória afetiva é a de Eu Sei Que Vou te Amar. Em 1986, ela, aos 21 anos, e Thales Pan Chacon dirigidos por Arnaldo Jabor, que fez filmes incríveis e foi tão demonizado pela esquerda.
Aos 30 anos, a Fernanda Torres de Terra Estrangeira, de 1995, já é a atriz dirigida por Walter Salles, que começava a consolidar esse caminho que deu em Ainda Estou Aqui.
É claro que a vitória de Fernanda Torres traz a lembrança de Fernanda Montenegro, sua mãe, no mesmo Globo de Ouro de 25 anos atrás, indicada por seu desempenho em Central do Brasil. Fernanda Montenegro dirigida por Walter Salles.
Central do Brasil representou um momento de reconstrução do cinema brasileiro. Sim, o cinema brasileiro que havia sido destruído pelo presidente Fernando Collor com a parceria de Ipojuca Pontes, essa sempre abominável figura do cinema paraibano.
Ainda Estou Aqui é de um outro momento. O do Brasil que tristemente vê o renascimento das forças de extrema-direita, que não são diferentes daquelas que, em janeiro de 1971, sequestraram, torturaram e mataram o ex-deputado Rubens Paiva.
Na sua fala, Fernanda Torres fez menção ao recrudescimento dessas forças - "um mundo com tantos medos" -, algo que aflige e ameaça a democracia dentro e fora do Brasil.
Fernanda Torres dedicou a vitória no Globo de Ouro à sua mãe, indicada há um quarto de século, e resumiu tudo numa frase: "A arte pode durar pela vida".
Ainda Estou Aqui foi o maior acontecimento do cinema no Brasil de 2024. Está em cartaz desde o dia sete de novembro e já foi visto por mais de três milhões de pessoas.
Ainda Estou Aqui é uma extraordinária vitória do cinema brasileiro pelos muitos méritos que ostenta e também por estar sendo aclamado por quem vai aos cinemas.
Ainda Estou Aqui conta uma história verdadeira sobre as violências cometidas pela ditadura militar, e é fundamental que o faça num momento em que aguardamos que um ex-presidente da República responda por ter atentado contra a democracia.
Ainda Estou Aqui é cinema, é indústria, é mercado, e tudo isso está no prêmio de melhor atriz em filme de drama conquistado por Fernanda Torres no Globo de Ouro.
Mas, para os brasileiros que, evocando aqui o Dr. Ulysses Guimarães, têm ódio e nojo à ditadura, o êxito e as premiações de Ainda Estou Aqui serão sempre vitórias do Brasil que luta pela preservação da sua democracia.
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