SILVIO OSIAS
"Bacana!". Uma palavra de Juca Pontes soava como se fossem muitas palavras
Publicado em 10/04/2023 às 7:09
Não sou Nelson Rodrigues nem Juca Pontes era Guimarães Rosa, mas lembrei do primeiro escrevendo sobre o segundo ao saber, na manhã de domingo (09), que Juca morrera no final da noite de sábado (08). Lembrei de uma crônica de Nelson sobre a morte de Guimarães. No texto, primeiro, há o impacto da notícia, o fato de que é irreversível, o amigo se foi. Depois, vem uma reflexão terrivelmente dolorosa: amanhã, serei eu. Essa reflexão sobre a inevitabilidade da morte parece que é ainda mais incômoda quando nos vemos diante de perdas geracionais. Como a de Walter Galvão, em 2021, a de Gil Sabino, em 2022, e, agora, a de Juca Pontes.
Lembro de Juca na segunda metade dos anos 1970. Se não estou enganado, com a farda do Colégio Pio XII. Ele com o amigo Bosco, que estudava piano e, como eu, morava em Jaguaribe. Ou com Everaldo Pontes, que começava a atuar como ator e morava em Oitizeiro. Ainda não era Juca. Era Júnior. O centro da cidade era o território deles. O meu, também. De preferência, à tarde. Havia os cinemas, as lojas de discos, uma livraria aqui, outra acolá. E as conversas nos encontros casuais. Foi o tempo da nossa formação, dos filmes que vimos, das músicas que ouvimos, dos livros que lemos. Foi um tempo bacana, como creio que Juca classificaria.
O Juca Pontes poeta, escritor e editor veio no início da década de 1980. Veio e permaneceu por perto durante esses 40 e poucos anos. A amizade foi se consolidando e nunca sofreu qualquer abalo. Juca não era de briga, mas de fazer amigos e mantê-los. Não tinha o que os seres divergentes costumam ter. Tudo nele apontava para a convergência, para o ato de agregar. Até quando foi perseguido - sim!, ocorreu! - por esse ou por aquele governo. Juca sabia ser máximo sendo mínimo. Poucas palavras dele soavam como se fossem muitas. E tinha o abraço, que Tathiana Rangel disse que foi o melhor (ou um dos melhores) que ela conheceu.
Todas, todos e todes. Juca não fazia distinção. O abraço era o mesmo, forte, intenso, acolhedor, repleto de afeto, de carinho, de fraternidade. Depois de receber o seu abraço, muitas vezes pensei: nesse mundo machista e tão preconceituoso, como é bonito saber que um homem abraça o outro do jeito que Juca o faz. O seu abraço há de ficar como algo inesquecível para as muitas pessoas de quem foi amigo. O abraço, a cabeça que ele colocava no ombro da gente e um "bacana" que valia por mil palavras.
Não vou comentar o Juca poeta. Não me sinto autorizado a falar sobre poesia, mas penso que, quando se dedicava a fazer versos, levava para a palavra escrita esse mesmo sentido da intensidade das coisas mínimas que havia na sua vida. Já o editor, era o primeiro nome que me ocorria sempre que alguém conversava comigo sobre o projeto de lançar um livro. Tive Juca como editor em Cinema Por Escrito, a coletânea que, como organizador, lancei com as críticas de Antônio Barreto Neto. Perfeccionismo define bem o homem que editava livros.
Juca Pontes foi, essencialmente, um cara do bem. Sei que é um clichê, mas uso porque cabe muitíssimo bem nele. Fará uma falta imensa pelo brilho do seu ativismo na nossa cena cultural. Não nos preparamos para perdê-lo assim tão de repente. Os da minha geração se veem na sua morte e talvez se assustem porque ela nos põe diante da brevidade da vida e do fato de que estamos envelhecendo. Não é fácil imaginar que Juca não está mais entre nós.
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