SILVIO OSIAS
Bacurau é forte acontecimento político e é grande cinema!
Publicado em 19/08/2019 às 7:04 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:40
Foi na sexta-feira (16), no Festival de Gramado, a primeira exibição pública de Bacurau no Brasil.
No sábado (17), o filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles foi exibido em pré-estreia em várias cidades (João Pessoa entre elas).
A estreia será no dia 29, mas, nesta quarta (21), haverá outra pré em João Pessoa, já com lotação esgotada.
O Som ao Redor, 2012.
Aquarius, 2016.
Bacurau, 2019.
Kleber Mendonça Filho - que li tanto no Jornal do Commercio, que foi lá na Cultura do Paço Alfândega debater comigo e com Jomard Muniz de Britto o livro de Antônio Barreto Neto, que encontro no backstage do show de Caetano Veloso no Recife - é um dos grandes cineastas do mundo.
Assim, bem perto da gente, fazendo filmes que arrebatam as plateias onde quer que sejam exibidos.
Bacurau é uma experiência impactante.
Sabem aquela coisa? No dia em que vi o novo Tarantino, comprei ingresso (físico) antecipado e lá fui eu, no sábado à noite, para a sessão única numa sala de shopping. Não vi ninguém conhecido na plateia. Havia uma moçada que riu e vibrou com algumas cenas e aplaudiu entusiasmada na hora dos créditos finais.
Antes do conteúdo, a forma. Se há algo que me impressiona imensamente em Kleber é o domínio absoluto que ele tem do seu ofício. O cineasta está no grupo dos que migraram com êxito da crítica para a direção. Antes de qualquer coisa, aos cinéfilos, Kleber proporciona um grande prazer estético.
Bacurau é filme realizado por quem pensa o cinema. A habilíssima manipulação dos gêneros, a construção de climas, a tensão permanente, o uso de trilhas preexistentes, o diálogo com o passado (do cinema) e a rara capacidade de atualizá-lo - tudo junto e misturado para levar o espectador à catarse final.
Li em algum lugar que o conteúdo de Bacurau é claro como a água. Sim, a água que falta no Nordeste brasileiro de ontem e de hoje e que, fatalmente, faltará no de amanhã. As vozes de Gal, Sérgio Ricardo e Vandré falam sobre o cinema do Brasil dos anos 1960 (Brasil Ano 2000, Deus e o Diabo, Augusto Matraga) e conectam passado, presente e futuro.
Pensei em filmes do Cinema Novo que permanecem assustadoramente atuais. Mas sei que eles são herméticos. O filme de Kleber se passa num futuro próximo e conversa com a gente sobre o presente. Essa conversa é direta, só não entende quem não quer entender. Esse lugarejo chamado Bacurau sintetiza no micro o que vemos no macro.
Aterroriza o instante (instante mesmo) em que vemos, na tela da TV, a notícia sobre as execuções no centro de São Paulo.
Bacurau está sendo chamado de cinema de resistência. Sua estreia - e isto é de suma importância - ocorre no momento em que o governo brasileiro tenta dizimar a produção nacional de audiovisual. O filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles é um eloquente contraponto a esta ameaça.
É resistência como produto, é resistência como chamado à luta.
Bacurau é um significativo acontecimento político.
Mas é também um acontecimento estético.
É o que permitirá que atravesse o tempo como grande cinema.
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