SILVIO OSIAS
Beethoven nasceu há 250 anos
Publicado em 16/12/2020 às 6:56 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:53
Em 1968, numa loja de discos, meu pai apontou para um anúncio e me disse mais ou menos assim:
"Preste atenção! Daqui a dois anos, em 1970, o mundo vai comemorar dois séculos do nascimento de Beethoven".
Eu tinha nove anos, e não era a primeira vez que o nome do compositor entrava em minha vida.
Àquela altura, já ouvira algumas vezes a história de Miguel.
Miguel era um amigo da vizinhança. Uma noite, meu pai foi visitá-lo e voltou para casa com um presente: uma coleção da Eroica em discos de 78 rpm.
Miguel morreu naquela noite, vítima de um mal súbito, e, desde então, meu pai decidiu que, um dia, quando morresse, o segundo movimento da terceira sinfonia de Beethoven - a Marcha Fúnebre - tocaria em seu velório.
É uma história triste, carregada de morbidez, mas, na minha memória afetiva, Beethoven e sua música gigantesca estão associados a ela.
Meu pai me apresentou a Beethoven, e meu tio Humberto, finíssimo cultor da música erudita, me ofereceu fundamentos para que eu pudesse ouvir e compreender pelo menos parte da sua extensa obra.
Ele contava que chegou a escrever nove contos - nunca os vi, nunca os li - que guiariam o ouvinte pelo ciclo das nove sinfonias.
Foi assim, sob a luz de nove contos que talvez nem existissem, que mergulhei nesse conjunto de nove peças.
A terceira sinfonia, no meu HD, ficou linkada à ideia da morte. Não teria como ser diferente.
A quinta, de tão executada, de tão popular, pode ter se tornado banal. Mas é musica absoluta, dizia Otto Maria Carpeaux na sua Nova História da Música.
A sexta, a Pastoral, embora subestimada pelos críticos mais rigorosos, sempre foi, com seu sublime segundo movimento, a da minha preferência.
A nona, composta por um homem surdo que se aproximava da morte, talvez seja o mais importante patrimônio sinfônico da humanidade.
Em seu livro tão útil quanto imprescindível, Carpeaux oferece uma espécie de guia comentado para auxiliar na audição de Beethoven, enumerando as obras mais importantes e o contexto em que foram escritas.
É Carpeaux, notável crítico austríaco que viveu no Brasil, que classifica a arte de Beethoven como o maior documento humano em música.
Classifica e afirma, sem medo de errar, que o destino da música bethoveeniana e o destino da nossa civilização estão indissoluvelmente ligados.
Nesta quarta-feira (16) ou nesta quinta-feira (17) - há uma imprecisão na data -, faz 250 anos que Ludwig van Beethoven nasceu.
Ele morreu em 1827 com 57 anos. Na sua música, fez a transição do período clássico para o romântico.
Festejemos.
Ouçamos.
Nesses tempos de barbárie e ignorância, a beleza e a profundidade da sua criação se fazem ainda mais necessárias.
Como disse um ateu: a existência de Beethoven, de tão extraordinária, pode ser um sinal de que Deus existe.
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