SILVIO OSIAS
Nudez censurada e homenagem aos Beatles no Caetano Veloso de 50 anos atrás
Qualquer Coisa é joia, e Joia não é qualquer coisa.
Publicado em 23/01/2025 às 9:17
Qualquer Coisa e Joia são os títulos dos álbuns que Caetano Veloso lançou ao mesmo tempo em 1975. Estão, portanto, fazendo 50 anos agora em 2025.
A ideia original era fazer um álbum duplo, mas os discos acabaram saindo separados. Na contracapa de Qualquer Coisa está escrito "a outra metade é Joia". Na contracapa de Joia tem "a outra metade é Qualquer Coisa".
Daí porque escrevi "Qualquer Coisa é joia, e Joia não é qualquer coisa" - um jeito divertido de dizer que os dois discos são joia (assim mesmo, no singular).
A capa de Qualquer Coisa é uma homenagem explícita aos Beatles. Reproduz com grande fidelidade a capa de Let It Be, álbum que os Beatles lançaram em 1970.
A contracapa de Qualquer Coisa também é como a de Let It Be. Mas a maçã da Apple (a gravadora dos Beatles) foi substituída por um araçá por causa de Araçá Azul, o disco ultraexperimental que Caetano lançara no final de 1972.
Tem mais Beatles em Qualquer Coisa. No lado dois, há três versões de canções assinadas por John Lennon e Paul McCartney, mas, na verdade, compostas por Paul.
São elas: Eleanor Rigby, For No One e Lady Madonna. Com Caetano, as canções dos Beatles têm muito de bossa nova e uma pegada algo jazzy. Ficam bonitas.
Qualquer Coisa abre o disco. É um dos grandes sucessos da carreira de Caetano Veloso. Tem uma estrutura harmônica que lembra canções de Roberto e Erasmo Carlos. Deve ser por isso que Roberto confessou que gostaria de ter gravado a música.
Da Maior Importância, Caetano compôs para Gal Costa. O registro original está no álbum Índia, que Gal lançou em 1973. Jorge da Capadócia é Jorge Ben em seu melhor. Caetano voltaria a ela muitos anos mais tarde, na turnê Livro Vivo.
A Tua Presença é uma canção de Caetano que Maria Bethânia gravou no tempo em que o irmão estava exilado em Londres. Samba e Amor é um Chico Buarque de 1970. Muita gente pensa até hoje que o autor é Caetano.
A capa de Joia também foi inspirada nos Beatles. Ou melhor: na capa do experimental Two Virgins, que traz a nudez frontal de John Lennon e Yoko Ono.
A nudez de Caetano, Dedé e Moreno em Joia, muito mais sutil do que a de Two Virgins, foi alvo da censura, e a gravadora teve que lançar outra capa.
Joia traz Caetano Veloso cantando Beatles mais uma vez. Ele faz Help! com voz e violão. Help! é assinada pela dupla Lennon & McCartney, mas é toda de Lennon.
Na Asa do Vento é clássico do repertório de João do Vale. Pipoca Moderna, agora com letra, é clássico da Banda de Pífanos de Caruaru e encantara Gilberto Gil na sua estadia no Recife em 1967, um pouco antes do Tropicalismo.
Lua, Lua, Lua, Lua e Canto do Povo de um Lugar, ao longo dos anos,ganharam lugar de destaque na antologia autoral de Caetano Veloso.
Igualmente autorais, Joia, Minha Mulher (com Gil ao Violão) e Pelos Olhos podem até ser menos lembradas, mas são verdadeiras joias.
Com alguma imprecisão, posso dizer que Qualquer Coisa é mais comercial do que Joia. Também dá para dizer que Joia ainda tem algo do experimentalismo de Araçá Azul. Nos dois, predomina o acústico. São ótimos esses discos agora cinquentenários.
Comentários