Central das Eleições é afirmação eloquente da figura do jornalista profissional

Entre tudo o que li, vi e ouvi durante a cobertura da eleição presidencial, se me perguntassem, em matéria de jornalismo profissional, o que mais chamou minha atenção, o que me foi mais atraente, não teria dúvida alguma: escolheria a Central das Eleições, programa da GloboNews comandado por Natuza Nery. A despedida foi na última sexta-feira (04), cinco dias depois da tão necessária vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o presidente Jair Bolsonaro.

A Central das Eleições me trouxe a síntese do melhor jornalismo que consumi, nos últimos três meses, nos veículos da chamada grande imprensa. Ficou como afirmação eloquente da figura indispensável do jornalista num momento em que conteúdos tão duvidosos são produzidos e consumidos largamente nas redes sociais. A conversa diária que vimos no programa da GloboNews enriqueceu o debate e as reflexões da gente sobre o mais difícil processo eleitoral que enfrentamos desde que o Brasil foi redemocratizado.

Falo na Central das Eleições como síntese, mas, quando estendo essa opinião a outros produtos jornalísticos que consumi nos 90 dias que antecederam a eleição de Lula, penso que, com erros e acertos, a imprensa cumpriu papel de suma importância nessa luta árdua entre os defensores da democracia e os seus inimigos, travada cotidianamente no Brasil desde que Bolsonaro foi eleito presidente, em 2018. Se é possível separar uma coisa da outra, me expresso aqui como o jornalista que sou há quase 50 anos e o cidadão que testemunha a história do seu tempo.

Fiz televisão durante 25 anos e sei perfeitamente que uma Central das Eleições, no altíssimo nível desta que nos foi oferecida pela GloboNews, só é possível como resultado de um grande trabalho de equipe. Mais do que trabalho, de um grande espírito de equipe. Nos bastidores, só quem estava lá sabe que tensões foram enfrentadas pelo grupo ancorado por Natuza Nery para pôr o programa no ar. Ao vivo, em suas várias edições noturnas, o que tivemos foi a construção de um diálogo de saudável convergência, mesmo quando as opiniões eram divergentes.

Analista político pode ter lado. Não faço ideia do que Natuza Nery e seu time de comentaristas pensam sobre isso, mas reafirmo que analista político pode ter lado. Presa e torturada pela ditadura, Míriam Leitão tem lado, a despeito das críticas injustas que tanta gente de esquerda faz a ela. Mulher, negra e do candomblé, Flávia Oliveira também tem lado, exposto quando vê na eleição de Lula uma vitória das minorias brasileiras. Como Fernando Gabeira, decano do grupo, sábio e sereno, cujas opiniões a esquerda assimila com dificuldade desde a sua volta do exílio.

Citei Míriam Leitão, Flávia Oliveira e Fernando Gabeira porque minhas preferências recaíram sobre elas e ele. Mas a verdade é que Natuza Nery teve diante de si uma equipe que proporcionou grandes momentos de jornalismo ao assinante da GloboNews. Na condução do programa, Natuza exibiu admirável domínio do veículo e do conteúdo, analisando os cenários e fornecendo "motes" para sua equipe. Transitando entre a seriedade que os temas pediam e uma leveza que nunca era destoante, ela fez da Central das Eleições um produto que já deixa saudade.