SILVIO OSIAS
Como os mesmos imbecis de Eco vão usar a inteligência artificial?
Publicado em 15/05/2023 às 10:59
Lembro de uma conversa que tive com Walter Galvão quando Umberto Eco disse que as redes sociais dariam voz a uma legião de imbecis. Jornalista sempre antenado com a contemporaneidade, o amigo Galvão estava indignado com a opinião de Eco. Eu, não. Sem querer ignorar os benefícios, achei que Eco estava certo ao falar dos malefícios. Estava certíssimo, logo constatamos diante da ascensão de políticos como Trump e Bolsonaro.
No primeiro ano do século XXI, inteligência artificial era somente o nome de um filme. Inteligência Artificial, projeto que Stanley Kubrick não viveu para materializar e que acabou nas mãos de Steven Spielberg, gerando um improvável (e muito bom) filme que é meio Kubrick/meio Spielberg.
Pouco mais de duas décadas depois, a inteligência artificial começa a ser uma realidade irreversível em nossas vidas, e quem viver verá tanto os seus benefícios quanto os seus malefícios. O velho e experiente jornalista Fernando Gabeira, que tem 82 anos, dia desses na GloboNews brincou com a inteligência artificial ao revelar que tinha um assessor e que este não era outra coisa senão o ChatGPT. Um assessor que divergia dele.
Um assessor que diverge da gente. E se ele divergir perigosamente? Não custa lembrar que, em 1968, o cérebro eletrônico HAL 9000, criado por Arthur C. Clarke e Stanley Kubrick no filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, divergiu perigosamente dos astronautas, jogou um no espaço, tirou a vida dos que estavam hibernando e terminou desconectado pelo único sobrevivente da tripulação da nave que viajava em direção a Júpiter.
Por enquanto, ainda não usei ferramentas como o ChatGPT. Não sei se nem quando vou usar, mas estou na fase de me preocupar com a possibilidade de que uma máquina faça por mim o que, por exemplo, faço todos os dias aqui nesta coluna: jornalismo de opinião.
Tenho visto, com frequência, gente brincando com inteligência artificial para produzir música fake. Já ouvi Paul McCartney cantando, em português com sotaque e em inglês, música do Clube da Esquina. Soou mal. Também já ouvi os Beatles fazendo músicas solo de Paul McCartney e de John Lennon. Parecia de verdade.
Na semana passada, ouvi God Only Knows, do clássico álbum Pet Sounds, dos Beach Boys, interpretada não pelos Beach Boys, mas pelos Beatles. Era fake, mas não parecia ser. E, não por coincidência, tinha algo de muito curioso: o fato de que os Beatles, à época, confessavam ter grande admiração pelo disco dos Beach Boys.
Achei legal? Não! Achei assustador! Até onde, pensando nos malefícios, a inteligência artificial nos levará? Ouviremos novos álbuns de John Lennon? Veremos novos filmes com James Dean? Não será alvissareiro! Será terrível! Mexerá com a criação artística em sua essência, nas suas verdades.
Pensei em fechar a coluna com as duas versões de God Only Knows. A original, com os Beach Boys. E a fake, com os Beatles. Verifiquei, no entanto, que a fake está indisponível. Ouçamos a verdadeira.
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