SILVIO OSIAS
Em Adolescência, a forma é mais impactante do que o conteúdo
Minissérie em quatro episódios é o sucesso do momento na Netflix.
Publicado em 25/03/2025 às 9:28 | Atualizado em 25/03/2025 às 10:37

Plano-sequência é um negócio muitíssimo atraente não necessariamente para todos, mas, com certeza, para um grande número de cinéfilos. Estou entre eles.
Qual o seu plano-sequência favorito? Se me fosse pedido para escolher um, apenas um plano-sequência, seria aquele do desfecho de Passageiro: Profissão Repórter, filme extraordinário que Michelangelo Antonioni realizou em 1975.
Passageiro: Profissão Repórter é com Jack Nicholson e Maria Schneider, que se projetara em 1972 ao contracenar com Marlon Brando em Último Tango em Paris.
Há outro plano-sequência estupendo na história do cinema: o de A Marca da Maldade, que Orson Welles realizou em 1958. Se o de Michelangelo Antonioni fecha, o de Orson Welles abre o filme. Dura pouquíssimos minutos. É tão breve quanto perfeito.
O plano-sequência de A Marca da Maldade apresenta, como se fosse casualmente, o casal de protagonistas do filme, Charlton Heston e Janet Leigh.
O Jogador (1992), de Robert Altman, também começa com um plano-sequência. Se passa num estúdio de cinema e dura o tempo dos créditos de apresentação.
O plano-sequência de O Jogador tem menos de 10 minutos. O de Gravidade (Alfonso Cuarón, 2013) se estende por quase 20 minutos, também no começo do filme.
Alfred Hitchcock não fez um plano-sequência. Radicalizou a coisa. Fez um filme inteiro em plano-sequência. É o fabuloso Festim Diabólico, de 1948.
Os rolos de filme não comportavam película suficiente, e Hitchcock teve que lançar mão de pequenos truques para dar a impressão de que, em Festim Diabólico, o plano-sequência ia realmente da primeira à última imagem do filme.
O mesmo - esses pequenos truques - ocorreu com 1917, que Sam Mendes realizou em 2019. 1917 é cinema. Diferente de Festim Diabólico, que obviamente é cinema, mas também é teatro filmado. Rope, o original, é um texto teatral.
Saber que Adolescência foi todo realizado em plano-sequência foi o que de fato chamou minha atenção para essa minissérie da Netflix em quatro episódios.
Adolescência é uma produção britânica dirigida por Philip Barantini. Começa e se desenvolve a partir da prisão de Jamie, um adolescente de 13 anos que, na noite anterior, teria matado a facadas uma garota da sua idade, colega de escola.
Não há truques. Cada episódio - eles têm entre 50 e 60 minutos - é um plano-sequência. O primeiro narra a prisão do menino e o acompanha até o interrogatório.
O segundo episódio mostra os responsáveis pela investigação na escola onde Jamie estuda. O terceiro é uma longa sessão de terapia. E o quarto se passa no dia em que Eddie, o pai de Jamie, está completando 50 anos.
Quem faz Eddie é o ator britânico Stephen Graham, de quem partiu a ideia da minissérie. Jamie é Owen Cooper, um adolescente de 15 anos em sua primeira atuação.
Se fizermos uma comparação, Festim Diabólico é relativamente simples porque se passa em um único ambiente. O pequeno elenco está todo dentro de um apartamento.
Em Adolescência, há muitos personagens e um grande número de figurantes - dezenas - no episódio ambientado na escola onde Jamie estuda.
Num outro extremo, o terceiro episódio é todo dentro de uma sala. Resume-se a uma sessão de terapia entre Jamie e a sua psicóloga.
Jamie é o personagem principal de Adolescência, mas ele não aparece no segundo nem no quarto episódio. Neste, ouve-se sua voz numa ligação telefônica.
Diálogo entre pais e filhos, garotos e garotas e os riscos que correm no mundo dominado pelo digital, adolescentes transformados em celibatários involuntários, bullying - está todo mundo falando sobre como essas questões aparecem em Adolescência.
A abordagem é forte, o elenco é incrível, e é a atualidade desses temas que transformou Adolescência num sucesso imediato e levou milhões de pessoas à minissérie.
Para a maioria dos espectadores de Adolescência, o fundo se sobrepõe à forma. Com meu olhar de cinéfilo, confesso que é a forma que se sobrepõe ao fundo.
Adolescência usa o recurso do plano-sequência com uma destreza admirável. Seja no claustrofóbico episódio da terapia, seja naquele ambientado na escola - muito provavelmente, o mais complexo do ponto de vista da execução.
E é justamente o segundo episódio que nos reserva um dos momentos mais tocantes de Adolescência: com a câmera colocada num drone, o sobrevoo que começa com a saída dos estudantes da escola e termina no local onde a menina foi morta.
Enquanto "voamos" em direção à cena do crime, um coral de vozes infantis nos envolve com uma bela canção. É Fragile, que Sting compôs e gravou nos anos 1980.
"Como lágrimas de uma estrela/Incessantemente a chuva dirá/O quão somos frágeis" - dizem os versos finais da canção de Sting. Enquanto vemos o pai do acusado depositar flores no canto em que se deu o crime.
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