SILVIO OSIAS
Entre a lucidez de Lula e a agressividade de Silas Malafaia
Os dois estão em Apocalipse nos Trópicos, o novo filme de Petra Costa.
Publicado em 30/07/2025 às 8:51 | Atualizado em 30/07/2025 às 10:10

Em 2007, Dom José Maria Pires, o então arcebispo emérito da Paraíba, me disse que, na periferia de Belo Horizonte, via pequenas igrejas evangélicas e pensava que elas estavam fazendo o que os católicos deixaram de fazer.
Lula me trouxe a lembrança de Dom José Maria Pires numa fala que está em Apocalipse nos Trópicos, o novo documentário de Petra Costa, disponível na Netflix.
Tomando café da manhã, com Janja ao seu lado, Lula diz que o trabalhador sem emprego encontra na igreja evangélica um acolhimento que o sindicato e o templo católico não lhe dão. Por isso ele se converte.
Correndo o risco da crítica dos comunistas ortodoxos, Lula também diz que o socialismo fracassou porque não soube dialogar com as religiões.
Comentando o crescimento das igrejas neopentecostais e o fracasso do socialismo, Lula faz as falas mais lúcidas de Apocalipe nos Trópicos.
A lucidez de Lula é o oposto da arrogância e da agressividade de Silas Malafaia, a quem o filme de Petra Costa segue bem de perto.
A cineasta mineira Petra Costa está com 42 anos. Em 2019, aos 36, ela fez Democracia em Vertigem. O filme concorreu ao Oscar de Melhor Documentário em 2020.
Democracia em Vertigem documenta a queda da presidente Dilma Rousseff. Na época em que foi lançado, escrevi aqui na coluna:
"O PT decepcionou Petra Costa. Isso está no filme. Gilberto Carvalho faz a autocrítica que o PT não fez. Isso também está no filme. Bolsonaro entra em cena com a narrativa já adiantada. Bolsonaro sendo Bolsonaro, defendendo o torturador Ustra, um fenômeno subestimado pela esquerda, pelas forças progressistas, pelo campo democrático.
Jair Bolsonaro foi eleito seis meses depois da prisão de Lula. Sérgio Moro é o ministro da Justiça de Bolsonaro. Lula permanece preso. É o que temos ao final de Democracia em Vertigem. O que o futuro reserva para a democracia brasileira? Esse filme de Petra Costa é muito necessário".
Apocalipse nos Trópicos é a sequência de Democracia em Vertigem. Este é mais impactante do que aquele, mas os dois se completam.
Democracia em Vertigem é narrado por Petra Costa na primeira pessoa. Apocalipse nos Trópicos também é narrado por Petra Costa na primeira pessoa. Não tem problema.
Democracia em Vertigem não é imparcial. Apocalipse nos Trópicos também não é imparcial. Escolhas legítimas da cineasta, não diminuem em nada os dois filmes.
Documentário não tem que ser imparcial. Corações e Mentes, de Peter Davis, não é. Nem Jango, de Sílvio Tendler, ou Cabra Marcado Para Morrer, de Eduardo Coutinho.
Petra Costa tem lado. Isso está explícito em Apocalipse nos Trópicos, como estava em Democracia em Vertigem. Mesmo que ela ouça os dois lados da história.
Com seus defeitos e suas virtudes, Democracia em Vertigem e Apocalipse nos Trópicos são dois retratos importantes da cena política nacional dos últimos anos.
Vi Democracia em Vertigem no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, antes da pandemia. Vejo Apocalipse nos Trópicos no penúltimo ano do terceiro mandato do presidente Lula.
A lucidez de Lula falando sobre o crescimento das igrejas neopentecostais e o fracasso do socialismo em Apocalipse nos Trópicos não me impede de desejar a construção de novas candidaturas, que não a dele, pelo campo democrático.
Quando oferece um retrato expressivo de Bolsonaro, o filme de Petra Costa resgata um vídeo de 2018: “Deus escolheu as coisas loucas, escolheu as coisas fracas, escolheu as coisas desprezíveis, por isso ele escolheu você, Bolsonaro!”. É Silas Malafaia que diz.
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