Esperanto mendicante. "Monsieur have money per mangiare?"

Lembram de Josué de Castro? Talvez não. Lembro bem da morte dele na primeira metade dos anos 1970 - eu era um adolescente. Era um grande pernambucano. Era um grande brasileiro. Dedicou sua vida ao estudo e combate à fome. Foi cassado em 1964 - claro. Estava na primeira lista de cassações. Amargou o exílio, afastado da diplomacia.

Na época da ditadura, a gente lia Josué de Castro. Tinha na estante do meu pai. Seu livro mais requisitado creio que era Geografia da Fome. Passou de mão em mão. Quem queria ler, lia escondido. Naqueles dias, era mais prudente.

Lembrei de Josué de Castro durante a audição de um velho disco de Chico Buarque. 29 anos, para um disco, já é velho, não? Paratodos, de 1993. Regravada, a faixa Pivete (originalmente, é de 1978) ganhou um verso muito curioso: "Monsieur have money per mangiare?".

Era como os garotos que ficavam na Candelária abordavam os turistas, pedindo dinheiro para comer. Chico chama de "esperanto mendicante". Logo, alguns daqueles garotos foram mortos pela Polícia Militar do Rio de Janeiro no Massacre da Candelária, episódio de repercussão internacional. Vergonha para o Brasil.

Josué de Castro. Geografia da Fome. Chico Buarque. Pivete. "O senhor tem dinheiro pra comer?". Se havia algo de anacrônico no livro de Josué ou na letra de Chico, está tudo de volta. Milhões de brasileiros estão passando fome, e isto não pode ser banalizado. Não perca a capacidade de se indignar.