SILVIO OSIAS
Essas músicas que Milton cantou na hora do adeus são as canções das nossas vidas
Publicado em 14/11/2022 às 5:57
A Última Sessão de Cinema é o título de um belo filme que Peter Bodganovich realizou em 1971. A Última Sessão de Música é o nome de uma das faixas de Milagre dos Peixes, que Milton Nascimento (Foto/Reprodução TV Globo) lançou em 1973, álbum mutilado pela Censura do regime militar. Pequena peça composta para piano, A Última Sessão de Música foi como se chamou, muito apropriadamente, a turnê na qual Milton se despediu, não da música, mas dos palcos. A turnê passou pela Europa, Estados Unidos e muitas cidades brasileiras. O encerramento foi na noite deste domingo (13) no Mineirão, em Belo Horizonte.
Foi uma noite de muitas alegrias e também de grandes tristezas. Muitas alegrias porque, nas duas horas e meia em que esteve no palco, Milton Nascimento ofereceu ao público de 60 mil pessoas uma extraordinária retrospectiva da sua carreira de 55 anos, se tomarmos como referência o momento em que, em 1967, com Travessia, dele e de Fernando Brant, conquistou dimensão nacional. Grandes tristezas porque estavam todos diante de um adeus. E não era qualquer adeus. Era a despedida de um dos gigantes da música popular brasileira, um artista que, aos 80 anos, completados no dia 26 de outubro, não esconde o quanto é frágil a sua saúde.
O set list, com algumas exceções, segue ordem cronológica. Começa com as canções do primeiro disco (Catavento, Canção doSal, Morro Velho, Outubro), ainda nos anos 1960, e se concentra fortemente no repertório da década de 1970, que foi quando Milton gravou seus melhores discos (o álbum com o Som Imaginário, Clube da Esquina, Milagre dos Peixes, Minas, Geraes, Clube da Esquina 2). Ainda avança pelos anos 1980, mas não passa dos seus meados. As escolhas confirmam que, ali, entre a segunda metade dos anos 1960 e a primeira da década de 1980, Milton Nascimento de fato produziu o que há de mais representativo no seu cancioneiro.
No Mineirão, Milton viveu uma noite de muitas emoções. Recebia amor da plateia e dava amor à plateia - como em The End, a canção que fecha o último álbum dos Beatles. Bituca estava ali com a consciência absoluta do seu tamanho, da sua dimensão. Mas, se havia tristeza no público diante do adeus, também havia no artista. Um verso o fazia chorar, uma fala o fazia chorar. Os amigos o faziam chorar, e foram vários convidados que levaram Milton e a multidão de volta sobretudo ao Clube da Esquina, esse movimento que, capitaneado por Bituca no começo da década de 1970, conquistou o respeito e a admiração de grandes artistas do mundo.
Primeiro vieram Wagner Tiso, Beto Guedes, Lô Borges e Toninho Horta. Com Lô, Milton dividiu o álbum Clube daEsquina, de 1972, considerado um dos discos mais importantes da música popular brasileira. Depois veio Nelson Ângelo, menos lembrado, que revisitou a sua Fazenda, belíssima canção que abre o álbum Geraes, de 1976. Márcio Borges, irmão de Lô e primeiro parceiro de Milton, apareceu no final, quando todos se reuniram no palco. À guitarra, cantando Trem Azul, Samuel Rosa, líder do Skank, também fez uma participação, já na condição de filho do Clube da Esquina. Diante de Milton, Samuel era só reverência.
Nos últimos dias, perdemos Paulo Jobim, Gal Costa e Rolando Boldrin, Paulinho da Viola fez 80 anos e Milton Nascimento deu adeus aos palcos. Paulo, Gal, Rolando, Paulinho, Milton - todos representam o que o Brasil tem de mais bonito. Há duas semanas, elegemos Lula com a esperança de que o Brasil recupere a normalidade política. No palco do Mineirão, Milton deu um viva à democracia. Ele lutou pela democracia por toda a vida. Sua música conta a história do nosso tempo, da longa noite em que vivemos, dos sonhos que nunca deixamos de ter. Essas canções que Milton Nascimento cantou na hora do adeus são as canções das nossas vidas.
O colunista assistiu ao show de Milton Nascimento na transmissão ao vivo feita pelo Globoplay.
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