SILVIO OSIAS
Ferreira Gullar foi grande poeta e crítico lúcido da esquerda
Publicado em 04/12/2016 às 16:12 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:49
Bandeira, Vinícius, Drummond, Leminski, Quintana, João Cabral. Já vi a morte de grandes poetas do Brasil.
Agora, mais um. Ferreira Gullar, quase fechando um ano de tantas perdas.
Onde andarás nesta tarde vazia
Tão clara e sem fim
Enquanto o mar bate azul em Ipanema
Em que bar,
Em que cinema te esqueces de mim
Minha primeira lembrança de Ferreira Gullar é essa. Onde Andarás, um bolero meio samba-canção. Música de Caetano Veloso sobre versos dele. Ouvi muito na infância e na passagem para a adolescência, naquele disco de capa vermelha.
"Ferreira Gullar era particularmente querido por sua capacidade de encorajar, seu senso de solidariedade e seu talento para encontrar soluções inventivas mesmo naquela situação tão pobre de possibilidades", diria Caetano muitos anos mais tarde sobre o poeta que hoje nos deixa, os dois, presos pela ditadura e levados para a mesma unidade militar, no final de 1968.
Senti o impacto do Poema Sujo na época em que foi publicado. É daquelas obras que, se não houvesse mais nada (e há!), justificam a existência de um autor.
O Poema Sujo, se pensarmos em forma e conteúdo, pode sintetizar o artista inquieto que, anos antes, ajudara a redirecionar a poesia brasileira, e o cidadão engajado que lutou firmemente contra o regime de exceção.
Foi, aliás, a sua luta contra a ditadura militar que o credenciou a, na velhice, tornar-se um crítico lúcido e severo dos governos petistas.
Quero terminar com música. O Trenzinho do Caipira, retrato de um Brasil profundo tirado pelo gênio de Heitor Villa-Lobos. Melodia enriquecida pelos versos de Ferreira Gullar. Na voz de Edu Lobo.
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra
Vai pelo mar
Mais do que nunca, o trem sem destino segue em busca do dia novo.
Os versos do Poema Sujo eternizam Ferreira Gullar!
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