SILVIO OSIAS
Geraldo Vandré faz 90 anos
Depois do autoexílio, o compositor paraibano trocou a esquerda pela direita.
Publicado em 11/09/2025 às 7:19

Geraldo Vandré faz 90 anos nesta sexta-feira, 12 de setembro de 2025. Autor de Caminhando, o compositor é paraibano nascido em João Pessoa em 1935.
O nome de batismo é Geraldo Pedrosa de Araújo Dias. O Vandré do nome artístico ele tirou do pai, Vandregíselo, um médico famoso na João Pessoa do seu tempo.
Advogado, funcionário público federal, Geraldo Vandré começou a gravar na primeira metade dos anos 1960, na época em que a bossa nova se politizou.
Ele já era conhecido, mas a consolidação do seu nome em nível nacional se deu em 1966 com Disparada, música que Vandré compôs em parceria com Théo de Barros.
Interpretada por Jair Rodrigues, Disparada dividiu com A Banda, de Chico Buarque, o primeiro lugar do II Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record.
Vandré tentou repetir o feito no festival de 1967, com Ventania, mas sua música não ficou entre as vencedoras. Foi o festival que anunciou o tropicalismo com as guitarras elétricas de Caetano Veloso (Alegria, Alegria) e Gilberto Gil (Domingo no Parque).
Na trilha que fez para o filme A Hora e a Vez de Augusto Matraga (Roberto Santos, 1965), destaca-se o Réquiem Para Matraga. A música foi usada, mais de 50 anos depois, em Bacurau e, há pouco, em Homem com H, cinebiografia de Ney Matogrosso.
O episódio mais marcante da carreira de Geraldo Vandré foi a sua participação no FIC, o Festival Internacional da Canção que a TV Globo realizou em 1968.
Vandré apresentou Pra Não Dizer que Não Falei das Flores (Caminhando). Vandré cantou essa guarânia composta sobre dois acordes sozinho ao violão.
Caminhando é, certamente, a mais contundente canção de protesto da música popular brasileira. A letra não tem o pacifismo que muita gente enxerga nos versos "Ainda fazem da flor/Seu mais forte refrão/E acreditam nas flores/Vencendo o canhão".
Na verdade, Geraldo Vandré chama de "indecisos cordões" os que assim se comportam, e a letra de Caminhando é uma clara convocação à luta armada contra a ditadura.
No festival, Caminhando e Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, disputaram o primeiro lugar. O público vaiou a canção de Tom e Chico e ficou com a de Vandré.
Venceu Sabiá, belíssima canção de exílio interpretada por Cynara e Cybele, mas, no gosto popular, Caminhando se sobrepôs a tudo o que houve naquele festival.
Caminhando foi censurada, e os compactos simples lançados pela RGE foram recolhidos das lojas. Por muitos anos, eram raras as pessoas que tinham aquele disco.
Depois da decretação do AI-5, que endureceu o regime militar em dezembro de 1968, Geraldo Vandré teve que fugir do país para não ser preso pela ditadura.
Passou por vários países num autoexílio que se estendeu até 1973. No exterior, gravou Das Terras do Benvirá, o último álbum da sua pequena discografia.
Quando voltou para o Brasil, Geraldo Vandré mudou de lado. Migrou da esquerda para a direita e até compôs uma música - Fabiana - em homenagem à Força Aérea.
Abandonou os estúdios e os palcos e não quis mais ser chamado de Vandré, mas de Geraldo. Passou a compor peças para piano que ele nunca chegou a gravar.
Em 2014, em São Paulo, subiu ao palco no show de Joan Baez. Ficou em silêncio enquanto a musa da canção de protesto dos anos 1960 cantava Caminhando.
Em 2018, fez dois shows em João Pessoa com a Orquestra Sinfônica da Paraíba. No final, cantou Caminhando e bateu continência para um amigo militar que estava na plateia.
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