SILVIO OSIAS
Gilberto Gil e Chico Buarque, História e emoção em reencontro no Rio
Os dois artistas cantaram juntos Cálice, música que foram impedidos de cantar em 1973.
Publicado em 03/06/2025 às 8:13

Gilberto Gil e Chico Buarque se reencontraram no Rio neste domingo, 01 de junho de 2025, e, juntos, cantaram Cálice. Chico era o convidado do show de Gil, que, desde março, está na estrada com Tempo Rei, sua turnê de despedida.
Claro que a foto que ilustra a coluna não é do show de agora. A imagem é de 1973, do show em que foram impedidos de cantar a música que haviam feito em parceria.
Em 1973, a Phonogram - depois PolyGram, atual Universal Music - se orgulhava de ter o melhor elenco da música popular brasileira. "Só não temos Roberto Carlos" - era mais ou menos assim que se expressava o marketing da companhia.
Para celebrar e amplificar ainda mais essa força, em maio de 1973 a Phonogram reuniu seu cast numa série de shows no Anhembi, em São Paulo.
Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Jorge Ben, Erasmo Carlos, Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia, Nara Leão, Os Mutantes, o MPB4, Raul Seixas, Rita Lee, Toquinho e Vinícius, Jair Rodrigues, Wanderléa, Ivan Lins, Fagner, Macalé, Luiz Melodia, Hermeto Pascoal - todo mundo estava lá, todo mundo era do elenco da Phonogram.
Phono 73, O Canto de um Povo. Foi assim que a Phonogram chamou o evento. Phono 73, O Canto de um Povo. Foi assim que se chamaram os três discos gravados ao vivo que imediatamente a gravadora botou no mercado.
Dias antes, na Semana Santa daquele ano de 1973, Gilberto Gil e Chico Buarque compuseram uma música. Deveriam cantá-la num dos shows do Phono 73.
Os dois fizeram a melodia e a letra. Era Cálice. Gil começou sozinho em casa, na Sexta-feira Santa. No sábado de aleluia, Gil foi ao apartamento de Chico em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas - a lagoa é citada na letra -, e os dois trabalharam juntos na composição, concluída num segundo encontro.
No Phono 73, Gilberto Gil e Chico Buarque subiram juntos ao palco do Anhembi e tentaram cantar Cálice. Foram censurados. Tiveram seus microfones desligados. As imagens, lançadas em DVD só no começo dos anos 2000, mostram como foi.
Cálice ficou proibida por cinco anos. Foi, afinal, gravada no álbum que Chico Buarque lançou em 1978. Chico gravou com Milton Nascimento e o apoio vocal do MPB4.
É o mesmo disco em que ressurge uma outra música de Chico Buarque que a censura havia proibido no início da década de 1970: o samba Apesar de Você.
Cálice é cálice e cale-se. E, nas entrelinhas - "Mesmo calado o peito, resta a cuca/Dos bêbados do centro da cidade" -, é como se trouxesse o grito: "Não se cale!". Era bela e impactante nos anos 1970. Continua viva e forte com o passar do tempo. O tempo rei.
Gilberto Gil e Chico Buarque cantaram Cálice juntos em 2018. No Rio, sob os arcos da Lapa, eles participaram de um evento da campanha pela libertação de Lula.
Mas não teve nem a emoção nem a simbologia da performance deste domingo, no show da turnê Tempo Rei. Agora, foi a História do Brasil e da MPB diante dos nossos olhos.
Chico Buarque vai fazer 81 anos no dia 19 de junho. Gilberto Gil vai fazer 83 anos no dia 26 de junho. São dois gigantes da MPB. São duas belezas imensas do Brasil.
Gil chorou. Chico chorou. O público chorou. Nós choramos em casa, vendo os vídeos que inundaram as redes sociais e os portais de notícias desde a noite de domingo.
Esses artistas e suas canções. Eles e elas contam pedaços da construção do Brasil enquanto Nação. Eles e elas contam a história das nossas próprias vidas.
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