SILVIO OSIAS
Gilberto Gil recebe Roberto Carlos num dos pontos altos da turnê Tempo Rei
O encontro dos dois foi no sábado, 18 de outubro de 2025, em São Paulo.
Publicado em 20/10/2025 às 7:09 | Atualizado em 20/10/2025 às 7:20

Ainda não vi ao vivo o show da turnê de despedida de Gilberto Gil. Estou à espera da passagem de Tempo Rei pelo Recife, logo mais em novembro.
Neste sábado, 18 de outubro de 2025, Gil se despediu de São Paulo. Todo show tem um convidado. Dessa vez, para surpresa de todos, foi Roberto Carlos.
O show de sábado foi transmitido ao vivo pelo Multishow e pelo Globoplay. Na íntegra, com mais de duas horas e meia de duração e um extenso repertório.
O setlist de Tempo Rei dá conta da vida e da trajetória artística de Gilberto Gil, mas também das nossas vidas e da vida do Brasil nesses últimos quase 60 anos.
Acompanho Gilberto Gil desde o festival de 1967, quando eu era um garoto de oito anos. E vi ao vivo pela primeira vez em 1975. Lá se vai, portanto, meio século.
Tempo Rei é como um filme da nossa memória afetiva. Que me permitam se estou usando um clichê, mas é como o cinema transcendental da letra de Caetano Veloso.
Procissão estava naquele primeiro show que vi em 1975, no Teatro Santa Roza. Gil fazia na guitarra, com uma pegada bluesy, e não tinha a oração do começo.
Domingo no Parque, vi ao vivo pela primeira vez no Refestança, em 1977. Refestança, vocês sabem, foi uma breve turnê em que Gil dividiu o palco com Rita Lee.
Eu Vim da Bahia, demorei um pouco para ver ao vivo. Nem sei exatamente quando foi. É um samba do começo da carreira de Gil, antes do seu reconhecimento nacional.
Eu Vim da Bahia, Procissão e Domingo no Parque estão logo no começo de Tempo Rei. Resumem o Gil do seu momento inicial e a passagem para o tropicalismo.
Cálice aparece mais tarde no show, com um vídeo de Chico Buarque no telão. Traz a necessária - sempre necessária - lembrança da censura e da ditadura militar.
Back in Bahia volta um pouco no tempo. É um rock-embolada de quando Gil retornou do exílio em Londres. O neto João Gil brilha fazendo o solo de guitarra.
Aí vêm Refazenda, Refavela e Não Chore Mais. As três representam o Gil da tão marcante trilogia RE: Refazenda (1975), Refavela (1977) e Realce (1979).
Tempo Rei é assim. As músicas vão se juntando e construindo um logo caminho de pelo menos seis décadas. Gil, seu público e o Brasil são os protagonistas.
Nos shows da turnê, há um momento em que Gil recebe um artista convidado. Já teve Chico Buarque fazendo Cálice, e Caetano Veloso fazendo Super-Homem, A Canção.
Em abril, em São Paulo, Gilberto Gil recebeu a filha Preta e chorou ao cantar Drão com ela. Foi um encontro de forte emoção. Preta Gil morreu três meses depois.
O convidado é sempre uma surpresa para o público. No Multishow, a repórter disse que não ia dar spoiler, mas que, neste sábado, a surpresa seria grande. E foi.
Gil recebeu Roberto Carlos, e, ao dizer "Roberto, você veio!", parecia que até ele estava surpreso. Afinal, o Rei nunca aparece como artista convidado de um show.
Gil e Roberto Carlos juntos no palco fazendo A Paz, de Gil e João Donato, e Roberto cantando o samba Além do Horizonte, da sua parceria com Erasmo Carlos.
Gil puxa Roberto para Donato. Roberto puxa Gil para um dos poucos sambas do seu repertório autoral. É um encontro geracional, raro e de grandes significados.
Gilberto Gil e Roberto Carlos. Tão diferentes e tão complementares como expressões de um Brasil profundo que tem a canção popular entre suas imensas belezas.
Para além da amizade e da mútua admiração, há a força simbólica nesse momento de diálogo do tropicalismo com a jovem guarda, que se atraíram lá nos anos 1960.
O setlist tem Tempo Rei, Palco, Aquele Abraço, Expresso 2222, Vamos Fugir, Esotérico, Extra, Punk da Periferia, O Rock do Segurança, A Novidade, Só Quero um Xodó, Se Eu Quiser Falar com Deus, Esperando na Janela, Toda Menina Baiana.
Tempo Rei tem um sucesso atrás do outro, além das vinhetas que trazem um pouco do que não pôde entrar no repertório. É perfeito como autorretrato do artista.
Tempo Rei é sobre o tempo. O tempo que passou por nós, ano após ano, e que a gente viu passar. E que vai seguir vendo. Enquanto estivermos por aqui.

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