SILVIO OSIAS
Jorge Mautner - 80 anos hoje - não tem nada de maldito. Ele é um bendito na música brasileira
Publicado em 17/01/2021 às 8:14 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:53
"Tem a chuva, tem a chuva Que tem gotas tão lindas Que até dá vontade de comê-las"
Soube de Jorge Mautner em 1972.
O jornalista Carlos Aranha juntara dois livros de Mautner, Kaos e Vigarista Jorge, num texto de teatro a ser encenado por Carmélio Reynaldo. Aos 13 anos, fui sondado para o papel de um adolescente que havia na peça. Comecei a estudar o texto que jamais seria montado.
Ao mesmo tempo, o artista plástico Hermano Cananea me apresentou a um disco incrível: Para Iluminar a Cidade. Produzido por Caetano Veloso, que chegara há pouco do exílio em Londres, era o primeiro LP de Mautner.
Jorge Mautner nasceu no Rio de Janeiro. O pai, judeu, e a mãe, católica, fugiram da guerra na Europa. O pai era varguista e atuava na resistência judaica. A babá era do candomblé. Diferenças improváveis que foram fundamentais na formação do menino - membro do Partido Comunista desde muito cedo e escritor.
Morou nos Estados Unidos, onde atuou como tradutor e, na virada da década de 1960 para a de 1970, juntou-se a Caetano Veloso e Gilberto Gil, que estavam exilados na Inglaterra. A amizade propiciou trocas riquíssimas entre eles, conduzidas pelas afinidades que iam muito além das parcerias musicais.
Mautner é um homem dos livros, da poesia, culto, atento à filosofia, à ciência, à política, às religiões (ou à ausência delas), ao homem com suas dores e suas alegrias.
Toca violino e bandolim, canta de um modo muito singular, compõe músicas harmônica e melodicamente simples. Dá sempre a impressão de que suas canções são instrumentos através dos quais expressa a sua visão rica e complexa do mundo e da existência humana.
Seria, então, um filósofo da canção.
Durante muitos anos, teve como parceiro Nelson Jacobina, com quem dividia o palco em suas performances ao vivo. Jacobina, sua guitarra e seu violão.
Maracatu Atômico é uma das músicas mais populares entre as muitas que compôs. Foi lançada por Gilberto Gil, em 1973, e teve uma vigorosa releitura quando gravada, nos anos 1990, por Chico Science e Nação Zumbi.
Gal Costa gravou Lágrimas Negras. Caetano, Vampiro. Wanderlea, Quero Ser Locomotiva.
Nos anos 1980, Gil e Mautner foram parceiros no show O Poeta e O Esfomeado. No início dos anos 2000, Caetano e Mautner fizeram um disco juntos: Eu Não Peço Desculpa.
"Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé" - essa fusão explica bem Mautner.
"Ou o mundo se brasilifica, ou vira nazista" também explica.
Há muita força e atualidade nessas palavras do artista.
Não há abismo em que o Brasil caiba é o título do seu disco mais recente, lançado em 2018. Nos últimos dois anos, ouvi poucas coisas tão necessárias quanto esse álbum.
Muita gente classifica Jorge Mautner como um dos malditos da MPB.
Que nada! Ele é um bendito!
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