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SILVIO OSIAS

Madonna, com Anitta e Pabllo Vittar, dá uma porrada segura na cara da caretice nacional

Publicado em 06/05/2024 às 6:50


                                        
                                            Madonna, com Anitta e Pabllo Vittar, dá uma porrada segura na cara da caretice nacional

Gal Costa não curtia Madonna. Nem a voz nem as músicas nem os álbuns. Está num trecho de uma entrevista que aparece nas redes sociais. A gente sabe que nossa grande cantora gostava mesmo era de Ella Fitzgerald. Mas Gal admirava e respeitava Madonna pelo conjunto de atitudes.

Não apreciar a música de Madonna é uma questão de gosto. Pode faltar identificação, pode faltar afinidade com aqueles sons que vêm lá da década de 1980. Mas é bacana quando alguém como Gal menciona a atitude e enxerga nesta a extraordinária dimensão de uma artista como Madonna.

Como Gal, você pode não gostar da voz nem das músicas nem dos álbuns, mas é importante se você reconhece a excelência do que Madonna faz. Seu show, sábado (04) em Copacabana, é o retrato dessa excelência e do perfeccionismo de quem ama o que faz e tem profundo respeito pelos milhões de fãs espalhados pelo mundo.

A homenagem aos que morreram por causa da aids foi tocante porque a gente viu pessoas próximas morrendo de aids, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990. E a gente viu pessoas famosas, artistas do cinema e da televisão, grandes nomes da música popular, vencidas por um vírus que era uma sentença de morte.

A presença de Cazuza e Renato Russo no telão (em Live To Tell) emocionou a multidão porque eles eram celebridades do rock brasileiro e eram muito populares. Na minha cinefilia, confesso que um rosto pouco conhecido me tocou muito: o de Leon Hirszman, o cineasta de São Bernardo e Eles Não Usam Black Tie.

Num outro momento do show, havia pretas e pretos no telão. A luta das pretas e pretos do mundo - outra marca do conjunto de atitudes de Madonna. E lá estavam tanto Pelé e Gilberto Gil quanto Elza Soares, Marta e Marielle Franco. Mas também Abdias do Nascimento, esse incrível ativista dos direitos humanos.

Em Madonna, há o não ao racismo, ao machismo, à homofobia, ao atraso religioso, a todo tipo de preconceito que vimos recrudescer nesse mundo ultradireitizado dos últimos anos. Em Madonna, há o sim à luta das mulheres, das pretas e pretos e, talvez principalmente, da comunidade LGBTQIAP+.

O show de Madonna é uma espécie de autorretrato da artista que está festejando 40 anos de carreira. No palco, através de um passeio pelos seus grandes hits, esse autorretrato tem começo, meio e fim e, como espetáculo, tem um conceito meticulosamente pensado e minuciosamente executado.

Madonna não está usando banda. Madonna usa sons pré-gravados. É verdade, e muita gente criticou. Mas isso, como crítica, não tem a menor importância no formato de show que Madonna faz. É uma opção legítima dela. Faz parte do modo com que ela e seus companheiros se apresentam e usam o palco.

Um momento especialmente belo foi aquele do "encontro" de Madonna com Michael Jackson em silhuetas vistas nos telões. Um ícone pop gigantesco como Madonna prestando tributo a um ícone pop gigantesco como Michael Jackson. A fusão de Billie Jean com Like a Virgin a embelezar ainda mais a cena.

Madonna (Foto/Reprodução) botou Anitta e Pabllo Vittar no palco. No Brasil, Anitta e Pabllo Vittar ainda são tratadas de forma extremamente preconceituosa não só por gente conservadora. Também por gente de esquerda, por progressistas e pelos chamados ouvintes de bom gosto da música popular brasileira.

No fundo, há homofobia e racismo estrutural nesse tipo de preconceito. E, no caso específico de Anitta, há uma rejeição à sua origem pobre e às origens do funk produzido por pretas e pretos das comunidades do Rio de Janeiro. Um dia, 100 anos atrás ou um pouco mais, se deu o mesmo com o samba.

Madonna chancelou Anitta (em Vogue) e Pabllo Vittar (em Music) ao botá-las no seu palco. As duas - Anitta e Pabllo - brilharam ao lado de Madonna. Pabllo Vittar mais ainda porque entrou de verde e amarelo dizendo, de uma vez por todas, que a gente precisa entender que o verde e o amarelo não pertencem à extrema-direita.

É muito justo que as pessoas se emocionem com o simbolismo que há nas imagens de Madonna com Pabllo Vittar e o verde e amarelo. Mas, com o perdão das leitores e dos leitores da coluna, pensei que esse problema do verde e amarelo e da camisa da Seleção tinha sido solucionado com a vitória e a posse do presidente Lula.

É importante que Anitta e Pabllo Vittar tenham a chancela de Madonna. Admiravelmente vitoriosas, é sensacional vê-las participando do show de Madonna. Não deixa de ser triste, no entanto, constatar que elas ainda precisam disso para que conquistem o respeito de muita gente, se é que vão conquistar.

Em Music, havia samba e funk na batida de meninas e meninos, percussionistas mirins arregimentados por Pretinho da Serrinha, craque do samba. Em Copacabana, não por acaso, Madonna fez a coisa certa ao dialogar com esse Brasil num Brasil cindido. E, vista por milhões na TV aberta, deu uma porrada segura na cara da caretice nacional.

Imagem ilustrativa da imagem Madonna, com Anitta e Pabllo Vittar, dá uma porrada segura na cara da caretice nacional

Silvio Osias

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