SILVIO OSIAS
Martin Scorsese é homem que pensa o cinema e realiza filmes
Publicado em 09/11/2018 às 8:22 | Atualizado em 30/08/2021 às 23:37
Martin Scorsese não é somente um diretor de filmes. É um homem que pensa o cinema. Também não está circunscrito à produção dos Estados Unidos, o país onde nasceu. A sua origem italiana o levou logo cedo a ver e amar a cinematografia de outros povos.
Além de realizador, é um cinéfilo dividido entre os grandes filmes americanos e os não americanos. Uma paixão não exclui a outra. Seu coração e sua mente têm lugar para os dois amores. Eles enriquecem o seu trabalho, o influenciam, fornecem elementos que vamos identificar nos filmes que realizou. Características que fazem de Scorsese um diretor de cinema diferente dos outros. Talvez o único assim entre todos os seus contemporâneos.
Um pé na América, outro fora dela. Duas viagens transformadas em documentários traduzem o que estou dizendo. Um, sobre o cinema americano. O outro, sobre o italiano. O mesmo artista a contemplar dois países e dois modos distintos de realizar filmes. As diferenças o interessam, vão acabar direcionadas ao que ele faz.
Na prática, aliás, Scorsese é um diretor dividido entre duas linguagens: a da ficção e a do documentário – mais uma das suas marcas de originalidade. O melhor é que domina muito bem as duas formas de expressão cinematográfica. Embora famoso pelos filmes de ficção, nos documentários está livre da pressão dos estúdios. E esta liberdade o conduz a resultados de fato excepcionais.
O amor de Scorsese pela música está presente em seu cinema. Não apenas em documentários como O Último Concerto de Rock ou Shine a Light, No Direction Home ou Living in the Material World. Seus filmes de ficção têm sequências concebidas a partir da música. O compasso define o ritmo da montagem.
As cenas de luta de Touro Indomável tomam como parâmetro os critérios de edição que adotou em O Último Concerto de Rock. O uso de trilhas preexistentes serve como comentários sobre uma determinada cena ou complementa a fala de um personagem. Martin Scorsese cresceu entre o cinema e a música. Aprendeu a amar os dois. E escolheu um para que fosse seu ofício.
Tudo isto está em Conversas com Scorsese, de Richard Schickel. Schickel e Scorsese conversam sobre a infância pobre em Nova York e a formação do cineasta, cada um dos seus filmes e temas ligados à sua produção. Falam da família, das obsessões, da fé, da passagem do tempo, da morte. Vida e arte se confundem, se misturam numa leitura para cinéfilos.
O livro, que andei relendo, confirmou muito do que eu já sabia de Marty. Robusteceu as razões da minha admiração por ele. E me surpreendeu: o tornou mais homem, menos mito. Como se ele não fosse Martin Scorsese, mas um cara com quem a gente senta para conversar sobre cinema. E acompanha sua luta para fazer o próximo filme.
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