SILVIO OSIAS
Mesmo que Bolsonaro perca, será muito difícil remover os escombros
Publicado em 22/09/2022 às 11:05
Na coluna desta quarta-feira (21), estava no modo memória. Permaneço nesta quinta (22). É interessante que, em 1989, a direita tenha vencido a primeira eleição direta para presidente depois da ditadura militar. O povo não quis nenhum dos tantos candidatos que lutaram pela redemocratização. Ulysses Guimarães, o Sr. Diretas, por exemplo, teve uma votação insignificante. Leonel Brizola, que parecia ser o candidato que disputaria o segundo turno com Fernando Collor, foi ultrapassado por Luiz Inácio Lula da Silva (ainda muito verde), cuja candidatura - não me convenço do contrário - foi inflada pela direita. No final, deu no que deu. Às vésperas da vitória, Collor triturou Lula no último debate, e o Brasil mergulhou numa aventura irresponsável provocada por suas elites.
Tenho uma lembrança marcante daquela campanha de 1989. Numa noite, já bem perto do primeiro turno, conversei longamente com Celso Furtado nos bastidores da TV Cabo Branco. Eu votava em Brizola. Ele, em Dr. Ulysses. Ouvi críticas severas do professor ao meu candidato. O grande paraibano, que estava convencido da eleição de Collor, me disse uma frase que ficou para sempre na minha memória. Foi mais ou menos assim: "As elites brasileiras são tão atrasadas que não aceitam nem Dr. Ulysses". Ouvi, armazenei imediatamente no meu HD e, por alguns anos, tive a certeza de que era aquilo mesmo. Contestar Celso Furtado? Quem sou eu?
As duas décadas que se seguiram, no entanto, me fizeram crer que, apesar de toda a experiência que tinha e da sua inteligência rara, o professor Celso cometera um equívoco ao pronunciar aquela frase. Se fossem tão atrasadas, como assegurava, as elites brasileiras não teriam permitido a eleição de um sociólogo tido à época como de esquerda (Fernando Henrique Cardoso), de um político que se projetou no sindicalismo (Luiz Inácio Lula da Silva), muito menos de uma mulher que atuou na guerrilha urbana lutando contra a ditadura militar (Dilma Rousseff). E tudo isso aconteceu, muito pacificamente, entre 1994 e 2010.
Mas Celso Furtado estava certíssimo. Vimos logo depois da reeleição de Dilma, em 2014. Ou, talvez, um pouco antes, nas grandes manifestações de direita que levaram milhões de pessoas às ruas das grandes cidades e botaram no chão a popularidade da primeira mulher presidente. Como gosto de observar o micro para pensar no macro, achei muito eloquente a descoberta de que uma colega de trabalho que ganhava salário mínimo revelava em seu perfil que era de direita. Ser de direita não era mais uma vergonha. As forças mais reacionárias (aí, sim, o macro) estavam saindo do armário, e, logo, logo, algo de muito danoso confirmaria a tese do professor Celso.
O bolsonarismo vem de regiões profundas do ser do Brasil. O bolsonarismo sempre existiu, mas assim não se chamava. Bolsonaro ainda não havia. Há quatro anos, a extrema-direita tem um líder pra chamar de seu. Um presidente que reduziu o debate nacional ao inacreditável. A 10 dias da eleição presidencial, você liga a televisão e vê excelentes analistas políticos discutindo o imbrochável. Você abre os grandes jornais, e lá estão os articulistas mais experientes escrevendo sobre o imbrochável. Mesmo que Bolsonaro não seja reeleito, teremos um longo e sinuoso caminho a percorrer. Mesmo que Lula seja um passo à frente, os escombros são de remoção muito difícil.
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