SILVIO OSIAS
Nelson Pereira dos Santos fez dois filmes sobre Tom Jobim
É como se o Cinema Novo tirasse retratos da Bossa Nova.
Publicado em 06/02/2025 às 10:27
Cinéfilo geralmente gosta de rever filmes. Foi o que fiz há pouco com A Música Segundo Tom Jobim e A Luz do Tom, ambos dirigidos por Nelson Pereira dos Santos.
Antônio Carlos Jobim é um gigante da música popular do mundo. Nelson Pereira dos Santos é um dos mais importantes entre todos os cineastas do Brasil.
A Música Segundo Tom Jobim e A Luz do Tom são muito diferentes, mas se completam para formar um retrato do artista tirado pelo realizador de Vidas Secas.
Nelson se debruça sobre Tom como se o Cinema Novo encontrasse a Bossa Nova. E aquele se rendesse a esta, ambos abençoados pela força da passagem do tempo.
Tom pela luz dos olhos de Nelson – escrevi quando vi A Música Segundo Tom Jobim na estreia. Não imaginava que a palavra luz estaria no título do segundo filme.
Nelson queria chamá-lo As Mulheres do Tom, mas a família não gostou – me contou o cineasta numa conversa de muitos anos atrás.
Naquela época, o projeto de Nelson Pereira dos Santos era um só. A Música... parece ter surgido depois. E ficou pronto antes.
É mais original do que A Luz... e certamente dialoga melhor com o espectador que não seja um grande admirador da obra de Jobim. Mas os dois desafiam as convenções do cinema documental. E o fazem com absoluta serenidade.
A Música Segundo Tom Jobim não tem entrevistas. Nem voz em off. Muito menos narração. Mas conta uma história com começo, meio e fim.
A história de Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim – o começo difícil, sua formação, os primeiros trabalhos, os encontros com Vinícius de Moraes e João Gilberto, a Bossa Nova, a projeção internacional, o disco com Frank Sinatra, o amor à natureza.
Tudo é apresentado ao público através da música. Uma colagem reúne as canções de Tom interpretadas por artistas do mundo inteiro. Como se Nelson Pereira dos Santos quisesse dizer que os sons e a palavra cantada são suficientes naquele retrato.
A Luz do Tom não tem imagens de Jobim. Só na abertura. Imagens em telas de televisão. E falas rápidas. Radamés Gnatalli, Ernesto Nazareth, Villa-Lobos, Dorival Caymmi. Matrizes, fontes. Depois, Nelson, mais uma vez, conta a história do artista.
Agora, narrada pela irmã, Helena, e pelas duas mulheres (Teresa Hermanny e Ana Lontra) com quem Tom Jobim foi casado.
Helena fala da infância e da juventude. Teresa Hermanny, do artista em busca do reconhecimento, da projeção que veio com a Bossa Nova e da maturidade.
A Ana Lontra coube a relação de Tom com a natureza. As músicas ilustram os depoimentos, tornando-os mais ricos. Confirmam a beleza infinita do repertório jobiniano.
Tom era de 1927. Nelson era de 1928. Em A Luz..., ele olha Jobim de longe, depois que o tempo passou. Dá voz às mulheres, às lembranças e, sobretudo, à sensibilidade delas.
Recorre ao filho do compositor, Paulo Jobim, para fazer as ilustrações musicais. Muitas, em gravações simples, de voz e piano, sem adornos.
A narrativa é lenta num filme breve, que dura menos de uma hora e meia. E que só dialogará com um público restrito, bastante específico.
Contemplação. Eis uma palavra que cabe bem neste documentário. Tom era um ser contemplativo, diz Helena no desfecho. Enxergava o que não estava ao alcance de todos. E transformava sua visão em música.
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