SILVIO OSIAS
No palco, Chico Buarque e Mônica Salmaso fazem a gente acreditar que o Brasil pode dar certo
Publicado em 07/09/2022 às 7:32
Um dia desses, não faz muito tempo, ouvi de Caetano Veloso que há coisas e há pessoas que fazem a gente acreditar que o Brasil pode dar certo. Conversávamos sobre a gravação que Caetano fez de Nanã, sobre seu autor, Moacir Santos, sobre o maestro Letieres Leite, que a Covid levou. Lembrei muito dessa conversa nesta terça-feira (06), vendo Chico Buarque e Mônica Salmaso (Foto/Leo Aversa/Divulgação) no palco do Teatro Pedra do Reino, em João Pessoa, por onde começou Que Talum Samba?, a nova turnê de Chico.
Quatro anos depois de Caravanas, Chico Buarque volta aos palcos, tendo Mônica Salmaso como convidada muito especial. O set list era guardado em segredo. Com a minha bola de cristal, fiquei pensando nas gravações em que Chico juntou sua voz a vozes femininas. Noite dos Mascarados (com Jane), Sem Fantasia (com Cristina, depois com Maria Bethânia), João e Maria (com Nara Leão), Maninha (com Miúcha), Biscate (com Gal Costa), Imagina (com a própria Mônica Salmaso).
Estão todas lá. Lindas. Comoventes. Arrebatadoras. Dos remotos anos 1960 - Sem Fantasia, Noite dosMascarados - até os anos 2000 (Imagina). Sem Fantasia veio na primeira parte do show. A voz da mulher. A voz do homem. As duas vozes no final. Noite dos Mascarados ficou para o bis. Uma marchinha carnavalesca. As duas, fortemente evocativas de um tempo em que Chico, um jovem de vinte e poucos anos, surgiu para fazer parte do grupo dos nossos melhores compositores populares.
Maninha traz a lembrança de Miúcha, irmã de Chico que não está mais entre nós. Ela e ele gravaram num dos dois discos que Antônio Carlos Jobim fez com Miúcha. Na Paraíba, mais do que em qualquer outro lugar, João e Maria remete a Sivuca, que, em 1947, compôs a melodia dessa valsa que só ganharia a letra de Chico 30 anos mais tarde. Imagina, primeira música composta por Tom Jobim, não poderia ficar de fora. Afinal, foi com Mônica que Chico fez a gravação para o álbum Carioca, lançado em 2006.
Tom Jobim é lembrado em três momentos do show. Primeiro, quando Mônica recebe Chico no palco, enquanto canta Paratodos. Foi nessa música que Chico chamou Tom, um dos seus mestres, de Maestro Soberano. Depois, em Imagina. Por último, em Sabiá, melodia de Jobim, letra de Chico. Sabiá, a lindíssima canção de exílio que foi vaiada, em 1968, pelo público do FIC. O público preferiu o imediatismo dos versos de Geraldo Vandré em Caminhando. O momento político exigiu que fosse assim.
Quem abre o show é Mônica Salmaso. Faz seis números antes da entrada de Chico. Todos Juntos, dos Saltimbancos, é a primeira música. Traz logo uma mensagem para esse tempo estranho em que estamos vivendo: "Todos juntos somos fortes/Não há nada pra temer". Há outras mensagens que vão costurando o programa: a ameaça do homem na letra de Passaredo e a notícia positiva na letra de Bom Tempo. Há Mar e Lua, uma joia pouco lembrada, e esse primor que é Beatriz, da parceria de Chico com Edu Lobo.
Na primeira sequência em que Chico Buarque e Mônica Salmaso ficam juntos no palco, temos O Velho Francisco, da década de 1980, e Sinhá (parceria com João Bosco), que, com pouco mais de 10 anos, já é um clássico. Sozinho, Chico resgata Desalento (do álbum Construção) e Sob Medida, que Simone gravou há mais de 40 anos. Nina, Blues Pra Bia e Tipo um Baião ainda são bem recentes. Injuriado e Uma Canção Desnaturada (da Óperado Malandro) trazem Mônica de volta ao palco.
Morro Dois Irmãos e Futuros Amantes falam do Rio de Janeiro. Assentamento, da questão agrária. O MeuGuri e As Caravanas, das nossas desigualdades, do nosso apartheid. É quando o show se encaminha para o final com Que Tal um Samba?, lançada já em 2022 num single. Chico e Mônica revisitam um pouco do Samba daBenção, de Baden Powell e Vinícius de Moraes, e do Samba da Minha Terra, de Dorival Caymmi. É o desfecho perfeito, antes da volta para o bis.
Chico e Mônica estão irretocáveis no palco. Ele, com a sua costumeira contenção. Ela, com uma alegria esfuziante. Um imenso compositor e uma grande cantora. Ele, a admirar a beleza da voz. Ela, embevecida com a força extraordinária das canções. Pessoas que fazem a gente acreditar que o Brasil pode dar certo - como na conversa com Caetano que mencionei no início do texto. Depois do show, um amigo me disse: há o sorriso e a gargalhada. O sorriso é mais elegante. Precisamos de alegria e crença no futuro. Chico e Mônica fazem isso com muita elegância.
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Chico Buarque e Mônica Salmaso se despedem do público paraibano nesta quarta-feira (07) com mais um show, às nove da noite, no Teatro Pedra do Reino.
Confira o repertório com 33 músicas que foi apresentado no show desta terça-feira (06):
MÔNICA SALMASO
Todos Juntos
Mar e Lua
Passaredo
Bom Tempo
Beatriz
Paratodos
CHICO BUARQUE E MÔNICA SALMASO
O Velho Francisco
Sinhá
Sem Fantasia
Biscate
Imagina
CHICO BUARQUE
Choro Bandido
Desalento
Sob Medida
Nina
Blues Pra Bia
Samba do Grande Amor
Injuriado - com Mônica
Tipo um Baião
As Minhas Meninas
Uma Canção Desnaturada - com Mônica
Morro Dois Irmãos
Futuros Amantes
Assentamento
Bancarrota Blues
Tua Cantiga
Sabiá
O Meu Guri
As Caravanas - com citação de Deus lhe Pague
Que Tal um Samba? - com Mônica
BIS
Maninha
Noite dos Mascarados
João e Maria
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