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SILVIO OSIAS

Nos 80 anos de Martin Scorsese, Hugo Cabret, Bob Dylan e os velhos de O Irlandês

Publicado em 18/11/2022 às 9:53


                                        
                                            Nos 80 anos de Martin Scorsese, Hugo Cabret, Bob Dylan e os velhos de O Irlandês

A propósito dos 80 anos de Martin Scorsese, completados nesta quinta-feira (17), volto a três realizações do grande cineasta: A Invenção de Hugo Cabret, Rolling Thunder Revue: a Bob Dylan Story e O Irlandês. São filmes que me fascinam.

A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese, me traz a lembrança de François Truffaut. Principalmente na cena em que o personagem central leva a menina para ver os filmes mudos. A alegria deles é como a da família desajustada de Antoine Doinel depois de uma ida ao cinema em Os Incompreendidos. O cinema salvou Truffaut de uma vida marginal do mesmo modo que tirará o garoto Hugo da miséria em que vive, escondido na estação de trem de Paris. Doinel e Cabret, em tempos diferentes, remetem ao universo de Dickens tanto quanto O Garoto, de Chaplin, que Scorsese mostra rapidamente no filme. Todos foram salvos pelo cinema. François Truffaut, Charles Chaplin, cuja infância em Londres não é diferente da dos personagens de Dickens. E Martin Scorsese, menino pobre em Nova York, vivendo a um passo do mundo do crime.

Hugo Cabret e Antoine Doinel se protegem do frio nas ruas de Paris. Um foge do bedel na estação. O outro, da repressão na escola. A Torre Eiffel é vista de longe. Parcialmente, sobre os telhados, em Os Incompreendidos. Inteira e iluminada, através do mostrador do grande relógio da estação, em A Invenção de Hugo Cabret. Truffaut começou pelo universo infantil e voltou a ele em O Garoto Selvagem e Na Idade da Inocência. Scorsese esperou pela velhice. E o fez estimulado pela filha de 11 anos, que lhe cobrou um filme que ela pudesse ver. Pais e filhos. Era o pai de Marty que o levava ao cinema na infância em Nova York. Era o pai de Hugo Cabret que o apresentava aos filmes em Paris. Quando ele conta isto à menina, quem está falando é Scorsese. Para sua filha pequena. Ou para nós, os espectadores.

É bom ver A Invenção de Hugo Cabret pensando nessas coisas, tentando percebê-las por trás da história que o filme narra. Claro que elas não são o essencial, mas constituem aspectos extremamente prazerosos neste tributo de Martin Scorsese ao seu ofício. Tomemos, por exemplo, o Alfred Hitchcock de Janela Indiscreta. O personagem imobilizado na cadeira, a observar a vida dos vizinhos. Pequenas histórias se desenvolvem sob seu olhar. Do mesmo jeito que em Hugo Cabret. O garoto vê através dos relógios. E lá estão as pequenas histórias. A do bedel com seu cachorro. A da florista que ele corteja. A da mulher solitária com seu cãozinho. A do homem que quer conquistá-la. Elas vão se desenvolvendo paralelamente à trama central. Scorsese também repete Hitchcock ao entrar na cena. Ele é o fotógrafo no estúdio de Méliès. Apenas por dois ou três segundos.

Martin Scorsese é um dos maiores cineastas do mundo. E um homem que pensa o cinema. A Invenção de HugoCabret é um grande Scorsese, belo e deslumbrante como a fantasia primitiva de Georges Méliès que ele evoca. Sem ela, o cinema não seria o que é. Uma imagem resume o salto, dos rudimentos à alta tecnologia: a que vemos o cenário de teatro ao fundo e o aquário jogado diante dos nossos olhos, graças à fotografia em 3 D. Àquela altura, os segredos do filme estão quase todos revelados. Mas seu encanto irá até o desfecho. Hugo Cabret se passa numa estação de trem. Por isto, faz recordar o cinematógrafo de Lumière. Mas o fantástico e o onírico conduzirão necessariamente à criação de Méliès. Como matriz do que temos quando vemos um filme como A Invenção deHugo Cabret.


				
					Nos 80 anos de Martin Scorsese, Hugo Cabret, Bob Dylan e os velhos de O Irlandês

Martin Scorsese é homem do cinema e da música. Ele estava na equipe de Woodstock e na de Elvis on Tour. Ele próprio dirigiu The Last Waltz, ainda nos anos 1970. Foi quando registrou o Bob Dylan que cantava Forever Young no concerto de despedida do grupo The Band.

No início dos anos 2000, Scorsese tirou seu primeiro (e extenso) retrato de Dylan, o documentário No Direction Home. Tão longo (quatro horas) quanto irresistível. O músico visto nos primeiros anos de carreira, entre o instante em que conquista dimensão nacional e o momento em que rompe com o folk e adota o elétrico. Um recorte que parece percorrer todo o Dylan, posto que toca nas questões cruciais do artista.

Martin Scorsese voltou a Bob Dylan em 2019 com Rolling Thunder Revue: a Bob Dylan Story. Vejam o título. É story, não é history. Ou: mentiras que se sobrepõem a verdades. Ou: pode parecer, mas nem tudo é verdade. Rolling Thunder Revue é um documentário? Rolling Thunder Revue (como Zelig, de Woody Allen) tem feição, mas não é um documentário? Rolling Thunder Revue é fake? Nada disso. Ou tudo isso. Rolling Thunder Revue é uma grande e alucinante experiência de cinema e música.

O filme começa com Richard Nixon e termina com Jimmy Carter. A América do Watergate e a América dos direitos humanos. Dois lados da América ali em torno dos 200 anos da independência. Dylan, entre um e outro, sai em turnê num ônibus. Ele e um bando de músicos, encontrando outros artistas nas cidades por onde passam. Pequenas plateias, apesar do tamanho de Dylan. Um show que remete a circos e ciganos.

Assim foi a Rolling Thunder. O Dylan de hoje, registrado por Scorsese, não lembra direito. Ou finge que não lembra, não dá importância. Inventa histórias. Conta mentiras, provavelmente. Faz insinuações, fala mal de Joan Baez, que fora sua musa e está com ele no palco.

Rolling Thunder Revue: a Bob Dylan Story foi construído a partir de riquíssimo material de arquivo. Os registros feitos para um filme que nunca existiu. Registros incríveis de bastidores e palcos. Bob Dylan (inspirado no Kiss!) com o rosto todo pintado, cantando como nunca cantou. Nem voltaria a cantar. E tem, incorporado à turnê, o poeta Allen Ginsberg, símbolo da contracultura, que conduz uma parte da narrativa. E, ainda, o violino mimético (assim definido na época) de Scarlet Rivera.

O filme de Scorsese é meio louco. Fala de música, claro. Dialoga com o cinema, também. É um road movie. Parece um daqueles documentários dos anos 1970 (Mad Dogs and Englishman), mas não é. Comenta o hoje, revendo o ontem. Encanta olhos e ouvidos. Ao menos dos que seguem Dylan de perto.

Bob Dylan tinha 30 e poucos anos na época da turnê Rolling Thunder. 78 quando Rolling Thunder Revue chegou ao público. 81 agora, em 2022. O bardo continua buscando o que nunca encontrará. No final, sobre um fundo vermelho, Martin Scorsese passa rapidamente por todas (todas mesmo!) as turnês que o artista fez desde então. Ao mostrar datas e locais, ano a ano, o filme se aproxima fortemente do espectador que já teve a experiência de ver Dylan ao vivo. Eu estou lá: São Paulo, pista de atletismo do Ibirapuera, 13 de abril de 1998.


				
					Nos 80 anos de Martin Scorsese, Hugo Cabret, Bob Dylan e os velhos de O Irlandês

O Irlandês é um grande filme. Não vai esperar décadas para se transformar num clássico. Já nasce assim, como grande cinema. Martin Scorsese precisou de três horas e meia para contar a história dos seus personagens. É o mais longo dos seus filmes de ficção. Tem o mesmo tempo dos documentários que fez sobre Bob Dylan (No Direction Home) e George Harrison (Living in the Material World).

Mas tempo não é problema. A narrativa flui tão naturalmente que o fato de ser extensa não representará um incômodo para o espectador. Scorsese é um mestre do seu ofício. Faz cinema e é pensador do cinema. Os gângsters que ele mostrou quando era jovem em Caminhos Perigosos, ou quando era maduro em Os BonsCompanheiros, agora são vistos na velhice por um homem igualmente velho.

Somente um homem velho faria um filme assim. Ele aborda temas permanentes da vida - não necessariamente da vida de gângsters - com um olhar que só os velhos conseguem ter. E o faz com homens velhos em atuações absolutamente excepcionais: Robert De Niro, Joe Pesci e, sobretudo, Al Pacino, com quem nunca havia trabalhado.

Essa pode ser uma das chaves do filme. A reunião desses homens postos numa trama que mostra a passagem do tempo, em idas e vindas admiráveis como construção narrativa. E há o fato de que, muito provavelmente, nunca mais veremos Scorsese, De Niro, Pesci e Pacino juntos num mesmo filme.

O Irlandês trata do homem inserido no macro - a política, o poder, a corrupção - e mostra esse mesmo homem como indivíduo, com suas ambições, suas culpas, seus arrependimentos tardios. As duas coisas se misturam, se confundem na trama.

Hoffa - como o assassinato de Kennedy - é real. O Hoffa de Pacino mistura realidade com ficção. O Irlandês dá a sensação de que, nele, há dois filmes. O primeiro, mais ágil, lembra outros filmes de Scorsese. O segundo, o do desfecho, é contemplativo.

Na terceira parte de O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, o epílogo reservado ao mafioso Michael Corleone é trágico, mas é rápido. Em O Irlandês, a velhice do personagem de Robert De Niro é melancólica e se arrasta numa incômoda lentidão.

Imagem ilustrativa da imagem Nos 80 anos de Martin Scorsese, Hugo Cabret, Bob Dylan e os velhos de O Irlandês

Silvio Osias

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