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SILVIO OSIAS

"Nós vivemos sem estar mais sentindo o país". Vou de poesia russa traduzida por um filho de Campina Grande

Publicado em 11/10/2022 às 10:16


                                        
                                            "Nós vivemos sem estar mais sentindo o país". Vou de poesia russa traduzida por um filho de Campina Grande

O jornalista Astier Basílio (Foto/Reprodução) é nosso homem em Moscou. A Moscou de Putin, diferente daquela dos tempos da União Soviética, do comunismo. Astier nem seria nosso homem na Moscou dos comunistas, posto que ele é de direita. Mas uma direita civilizada e culta, o contrário dessa direita abominável que, há poucos dias, recebeu, nas urnas, o apoio de 50 milhões de eleitores brasileiros. Astier está fazendo doutorado na Rússia. Creio que lembrei dele nesta terça-feira (11) porque é o dia do aniversário da cidade onde nasceu, Campina Grande.

Astier vai dos blues dos pretos americanos aos filmes de Ingmar Bergman. Leitor compulsivo, poeta, dramaturgo, repentista (!!). Ótimo papo, tanto para os temas culturais quanto para os políticos. Grande companheiro de redação. Em A União, quando fui editor, ele foi editor do Correio das Artes. Juntos (+ Gonzaga Rodrigues e Gustavo Moura), fomos à casa de Ariano Suassuna, no Recife, numa tarde/noite inesquecível. Ele, grande admirador de Ariano. Eu, nem tanto. Divergências que jamais maculariam um dia como aquele, muito menos nossa convivência.

Há pouco, de férias, Astier Basílio esteve no Brasil. Numa visita que me fez, ficamos de marcar um novo encontro. A ideia era rever Terra em Transe, o extraordinário filme de Glauber Rocha. A sessão acabou não acontecendo. Mas Astier deixou comigo um resultado concreto da sua vida na Rússia: Sal no Machado, que traduz para o português a poesia de Óssip Mandelstam. A edição, com tradução, texto e notas de Astier, tem formato de cordel. Na capa, o poeta Malndelstam é retratado em xilogravura de Bebel Lélis.

Óssip Mandelstam era um judeu polonês que estudou na Sorbonne, em Paris, e viveu na União Soviética, onde, sob Stalin, foi preso por atividades antissoviéticas. Morreu em 1938, antes que sua obra conquistasse projeção mundial. De Sal no Machado, escolhi um dos seus poemas para transcrever na coluna de hoje. O título é Nós vivemos sem estar mais sentindo o país, de 1933. Achei oportuna a transcrição.

NÓS VIVEMOS SEM ESTAR MAIS SENTINDO O PAÍS... 

Nós vivemos sem estar mais sentindo o país,

A dez passos não se ouve o que nossa voz diz.

Meia prosa e já basta que lembrem

O matuto da serra no Kremlin.

Os seus dedos são vermes sebentos, obesos,

As palavras, fiéis, com a marca dos pesos.

Bigodões de barata sorrindo

E os coturnos brilhando de lindo.

Mas lhe cerca a ralé dos chefes cabeçudos

E ele brinca com os seus zumbis de faz-tudo.

Um que chora, que mia e soluça.

Ele bichopapoa e cutuca,

Como casco de ferro, ato em ato ele atesta:

Em um olho, em um cílio, em um púbis, na testa.

Toda pena de morte - uma amora,

Peito largo de quem vem da Geórgia

Imagem ilustrativa da imagem "Nós vivemos sem estar mais sentindo o país". Vou de poesia russa traduzida por um filho de Campina Grande

Silvio Osias

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