SILVIO OSIAS
O Brasil estará livre do presidente Jair Bolsonaro em apenas 10 dias
Publicado em 22/12/2022 às 9:40
A contar desta quinta-feira (22), em apenas 10 dias o Brasil estará livre do pior presidente que o país teve desde a redemocratização, iniciada em 1985 com a volta dos civis ao poder. Em apenas 10 dias, Luiz Inácio Lula da Silva será o novo presidente da República, e o Brasil terá de volta a normalidade das relações políticas. Mas não nos iludamos. A transição que agora testemunhamos demonstrou como será difícil governar, como será complicado reconstruir o que foi desconstruído pela extrema-direita em quatro anos. O mais importante é que 60 milhões de brasileiros defenestraram Bolsonaro e optaram por um político que, com virtudes e defeitos, já mostrou que sabe governar.
A eleição de Lula foi o fato mais importante para o Brasil em 2022. Numa retrospectiva de final de ano, seria a notícia principal, a manchete da capa. Como faço anualmente aqui na coluna, em dezembro republico alguns textos postados ao longo dos últimos 12 meses. Muitas colunas foram dedicadas à política, sobretudo ao processo eleitoral, e, hoje, destaco o que escrevi em 31 de outubro, no dia seguinte à vitória de Lula e à derrota de Bolsonaro. É curioso observar que o otimismo de um texto de dois meses atrás já não é mais o mesmo. O fato é que, antes de ser empossado, o vitorioso tem diante de si obstáculos que podem inviabilizar muitas promessas de campanha.
Segue o texto postado no dia 31 de outubro:
O presidente Jair Bolsonaro é uma liderança inconteste. É um líder do que há de pior, mas é um grande líder popular nesse Brasil dividido em dois. O curioso é que ele e seus aliados erraram muito. Erraram tanto que perderam a eleição. Lá em 2020, o presidente, estupidamente, abriu mão de liderar uma grande cruzada nacional pela vida durante a pandemia. Ao contrário, liderou uma cruzada pela morte. Fez deboche de uma doença que matou quase 700 mil brasileiros. Em seu mandato, enquanto trocava a ciência pelo negacionismo, Jair Bolsonaro atacou o Congresso, o Supremo, defendeu o golpismo, desqualificou o sistema eleitoral. Fez tudo o que não poderia fazer.
No segundo turno da eleição presidencial, diante de garotas venezuelanas numa comunidade no Distrito Federal, o presidente disse que "pintou um clima", mas o que pintou mesmo foi uma incômoda discussão sobre pedofilia em torno de um candidato que disputava a reeleição para presidente. Houve a arruaça dos bolsonaristas na festa da Padroeira do Brasil, mas houve, sobretudo, as ameaças do ministro Paulo Guedes ao salário mínimo e às aposentadorias. Roberto Jefferson, grande aliado, fez a parte dele ao dar tiros de fuzil e jogar granadas em policiais federais, e Carla Zambelli, do núcleo duro do bolsonarismo, arma em punho, perseguiu um homem em São Paulo.
Nessas horas, não é bom chutar cachorro morto, mas bem que eles - o presidente, seus aliados e a parcela mais idiotizada do seu eleitorado - merecem. Foram muito arrogantes, foram muito desrespeitosos, foram muito violentos, foram muito cínicos, debocharam em excesso, provocaram demais. Vi de perto. Vimos de perto. Amigos que não podem mais ser amigos, parentes que só merecem distância, homens cultos entregues à ignorância, artistas optando pela extrema-direita. Vi de perto nas redes sociais. Vimos de perto. Gente que um dia pareceu sensível adotando o mais inaceitável de todos os discursos, trocando seu humanismo pela barbárie.
O presidente Jair Bolsonaro não merece perdão. O presidente Jair Bolsonaro merece a inelegibilidade, quem sabe a prisão. Ele cometeu crimes em série, e a ele tudo foi permitido desde aquele dia em que defendeu e homenageou um torturador na sessão de admissibilidade do impedimento da presidente Dilma Rousseff. Eleito presidente, Bolsonaro atacou sem dó nem piedade a democracia e as instituições, e a ele tudo foi permitido. Na campanha pela reeleição, o presidente desobedeceu a legislação eleitoral, rasgou a Constituição, usou criminosamente a máquina pública, e a ele tudo foi permitido. Apesar de tudo, foi derrotado nas urnas, e é muitíssimo bem feito que assim tenha sido.
Sempre temi que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse derrotado pelo presidente Jair Bolsonaro. E quase aconteceu. A esquerda continuou arrogante quando subestimou a força de Bolsonaro e do bolsonarismo. Em caso de derrota, Lula encerraria melancolicamente sua extraordinária trajetória política e humana. A esquerda continuou arrogante. Lula, não. Aos 77 anos, Lula é um homem curtido, dividido entre o êxito das grandes conquistas e as dores inevitáveis da vida. Por isso, ele correu para o centro, fez todas as alianças possíveis, formou uma frente democrática, e o maior símbolo dessa opção de Lula está na escolha de Geraldo Alckmin para ser seu vice.
Quem, como eu, não é lulista nem petista, achou bonito ver todos em cima do caminhão, diante da multidão na Avenida Paulista, na noite deste histórico domingo, 30 de outubro de 2022. Marina Silva, com quem o PT foi sórdido em 2014. Simone Tebet, tão criticada algumas semanas atrás, quando disputava o primeiro turno e se projetava como notável liderança de dimensão nacional. O garoto João Campos, do PSB pernambucano, filho de Eduardo Campos. Mas, principalmente, Geraldo Alckmin, de quem não pode ser retirado o papel de construtor da democracia brasileira. Para governar o Brasil, Lula sabe que não será possível sem o apoio de todos eles. E muitos outros.
No início desse texto, escrevi que o presidente Jair Bolsonaro é um líder inconteste, mas um líder do que há de pior. Digo agora que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora presidente eleito, também é um líder inconteste, mas um líder do que há de melhor em nossa democracia. Ele chega à Presidência comprometido com as grandes causas do Brasil. Muito mais: a vitória de Lula é uma vitória em escala mundial, não só pelo seu inquestionável compromisso com a democracia ou pela dimensão internacional que conquistou quando governou o Brasil de 2003 a 2010. Mas, sobretudo, pela consciência que tem do quanto a questão climática é crucial para o planeta.
Luiz Inácio Lula da Silva tem uma árdua missão pela frente. Seu governo precisará ser muito maior do que um governo do PT num Brasil rigorosamente dividido em dois. Lula sabe disso mais do que qualquer um de nós. Jair Bolsonaro foi derrotado nas urnas, mas o bolsonarismo está vivíssimo como expressão do que o Brasil tem de pior. Lula não vai precisar apenas do parlamento. Lula não vai precisar só das instituições. Lula vai precisar da sociedade civil. O homem que governará o Brasil a partir de primeiro de janeiro de 2023 vai precisar de todas as forças verdadeiramente comprometidas com o futuro do Brasil. São essas forças que nos livrarão de um novo Bolsonaro.
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