SILVIO OSIAS
O Brasil não quer mais saber de Glauber, que hoje faria 80 anos
Publicado em 14/03/2019 às 8:06 | Atualizado em 30/08/2021 às 23:36
Se estivesse vivo, o cineasta Glauber Rocha faria 80 anos nesta quinta-feira (14).
Ele morreu aos 42 anos, em agosto de 1981.
Em 1964, aos 25 anos, estarreceu o mundo do cinema com Deus e o Diabo na Terra do Sol.
Em 2019, o Brasil não quer mais saber de Glauber Rocha, seu mais importante cineasta.
Isto é o povo! Um imbecil! Um analfabeto! Um despolitizado!
A fala do personagem de Jardel Filho ecoa há mais de 50 anos!
Para mim, o nosso maior e mais instigante filme político é Terra em Transe.
O Brasil continua muito parecido com o Eldorado de Glauber Rocha.
Unidos em Glauber, o gênio do construtor e o mito do demolidor gestaram um filme que fala das nossas questões cruciais. Falava em 1967. Continua falando agora, mais de meio século depois.
Esquerda, direita, populismo, messianismo, o papel dos intelectuais, o povo, a desigualdade, o autoritarismo, o nosso destino enquanto Nação.
Terra em Transe, se tudo isso fosse pouco, ainda é absolutamente devastador como delírio estético.
A questão é que, para muitos, o filme de Glauber Rocha é tosco. Hermético. Incompreensível.
Quase ninguém quer enfrentá-lo.
Mas o problema pode ser o empobrecimento intelectual das nossas plateias. A ausência de uma crítica como a que se tinha na época em que o filme foi lançado. A falta de um ambiente propício a esse tipo de cinema.
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Lembro que, no dia seguinte à morte de Glauber, o Jornal do Brasil circulou com textos assinados pelos críticos Ely Azeredo e José Carlos Avellar.
Um deles mencionava o gênio do construtor, o cineasta que levou o cinema brasileiro a obter grande prestígio internacional com os filmes que realizou, sobretudo Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro.
O outro artigo falava do mito do demolidor, a figura de opiniões polêmicas e discurso muitas vezes incompreendido, principalmente quando enxergava nos militares que tomaram o poder em 1964 um caminho que levaria o país à redemocratização.
Lembro das duas imagens registradas por Azeredo e Avellar porque temo que, ao longo dos anos, o mito do demolidor tenha se sobreposto ao gênio do construtor. O que, se é verdade, representa uma profunda injustiça com um cineasta do tamanho de Glauber.
O homem que fez Deus e o Diabo na Terra do Sol com 25 anos e estarreceu os europeus com seu filme não pode ser lembrado só pelas falas desesperadas dos últimos anos de sua vida curta. O realizador que retratou o Brasil no país imaginário de Terra em Transe não pode ser avaliado como se ainda nos guiássemos só pelos confrontos entre esquerda e direita.
Prefiro a percepção que, de longe, Martin Scorsese tem do significado de Glauber Rocha. Cineasta e pensador do cinema, o americano de origem italiana vê e revê os filmes de Glauber e os apresenta aos seus atores.
É um contraponto aos cinéfilos e homens de cinema que, entre nós, detratam Glauber, subdimensionam a sua obra e reforçam a tese de que, nele, o mito do demolidor é mesmo muito maior do que o gênio do construtor.
Melhor fundir os dois, enxergando em Glauber um cinema que nasceu da sua profunda inquietação criativa e da combinação desses elementos. O construtor e o demolidor, ambos movidos por uma grande ambição e um extraordinário desejo.
Nas imagens e nos sons que trazem Ford, Kurosawa e Villa-Lobos para o Sertão da Bahia em Deus e o Diabo na Terra do Sol.
Nas questões cruciais ainda não superadas pelo Brasil nessas mais de cinco décadas que nos separam de Terra em Transe.
No delírio de A Idade da Terra, síntese do seu desespero e também da sua ousadia estética.
A ambição e o desejo de Glauber falam do cinema brasileiro e do nosso destino como Nação
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