SILVIO OSIAS
O frevo pernambucano é uma riquíssima expressão do talento musical do povo brasileiro
Publicado em 10/02/2021 às 7:06 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:53
O frevo de rua, nascido e criado em Pernambuco, é provavelmente a mais refinada expressão da nossa música carnavalesca. São pequenas peças, às vezes de difícil execução, escritas para orquestras em cuja formação predominam os instrumentos de sopro. Feito para dançar nas ruas e nos salões, o frevo também é muito bom de ouvir. Pela beleza de suas melodias, pela riqueza dos seus arranjos, pelo virtuosismo dos seus executantes, por sua admirável força rítmica. Ainda porque funde a alegria do carnaval com uma indisfarçável melancolia, certamente relacionada ao espírito fugaz da festa e à saudade que ela deixa nos foliões.
Na adolescência, dois discos de frevo me encantaram. Os dois com a orquestra do maestro José Menezes. Um deles se chamava O FrevoVivo de Levino Ferreira. O repertório era todo dedicado a um dos maiores compositores do gênero. A faixa de abertura, Último Dia, é um clássico absoluto dos nossos carnavais. Último Dia entrará em qualquer lista dos melhores e mais inspirados frevos de todos os tempos. Mais do que isto: acredito que não é possível lembrar de cinco frevos sem que este de Levino Ferreira seja mencionado. Melodia original, orquestração, soluções harmônicas – é tudo perfeito nesta peça que parece anunciar o fim da festa de Momo.
O outro disco era a Antologia do Frevo lançada pela velha PolyGram. Não se prendia ao repertório essencial de frevos de rua. Tinha também o frevo de bloco e o frevo canção. E, além da orquestra de Zé Menezes, um coral participara das gravações. O formato de medley foi utilizado para ampliar o número de faixas. Foi naquela antologia que ouvi à exaustão a batida irresistível de Três da Tarde e os versos comoventes de Valores do Passado. Estes dois discos me ensinaram que a gente pode ouvir frevo o ano todo, independente do período carnavalesco, e que o gênero se sobrepõe à festa como expressão legítima do nosso imenso talento musical.
Quando penso em frevos antológicos, um dos primeiros que me ocorrem é Relembrando o Norte. Este sempre me pareceu um frevo que só poderia ter sido composto por um homem que teve o jazz como influência determinante em sua trajetória. Seu autor é Severino Araújo, o maestro da Orquestra Tabajara. Não era para dançar no salão, mas para ver e ouvir: Severino diante da sua big band executando Relembrando o Norte. Os avanços e recuos da melodia, suas soluções pouco convencionais, a alegria esfuziante da última parte – um exemplo irretocável do gênero. E uma das contribuições do maestro Severino à nossa música instrumental.
Outro título digno das antologias é Duda no Frevo. Indiretamente, está relacionado a Severino Araújo. O autor da música, Senô, tocava na Orquestra Tabajara, e o maestro foi o primeiro a ver a partitura original. Viu, leu e percebeu que tinha em suas mãos uma peça que logo se transformaria num clássico. No título, a homenagem a um jovem que se tornaria uma lenda, o maestro Duda. No fim da vida, Senô tocou nos Paralamas do Sucesso. No meio dos shows, quando Herbert Vianna apresentava os músicos, ele era citado como autor de Duda no Frevo. E acabava tocando um pequeno trecho da melodia que ouvimos todos os anos quando chega o carnaval.
A foto que ilustra a coluna é de Pierre Verger.
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