SILVIO OSIAS
O Papa não é comunista! Parem de ostentar burrice e ignorância!
Publicado em 07/01/2020 às 6:15 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:38
O Papa não me representa porque é comunista.
Li algo assim nas redes sociais como comentário sobre o tapa que Francisco deu nas mãos de uma fiel, uma imagem difundida à exaustão dias atrás.
Deus queira (dirão os que creem) que esse processo de imbecilização que estamos testemunhando seja reversível.
Imbecilização somada à ostentação da burrice e da ignorância.
Vi Dois Papas depois do tapa e da reação dos que acham que o Papa é comunista.
Há algumas décadas, houve um (João XXIII) que, por sua doçura, ganhou num filme bela dedicatória de um cineasta ateu, marxista e homossexual.
Seu sucessor (Paulo VI) disse que o mundo estava doente. Imaginem agora!
Mais tarde, o outro (João Paulo II) era pop e agiu fortemente contra os países comunistas.
O anterior a Francisco (Bento XVI), de extraordinária erudição, foi chamado de nazista.
O atual é vermelho (risos!).
Ora!, não há papas vermelhos!
Ao falar de homens, os velhos homens de sempre, Dois Papas ilumina o que está escuro.
É um filme sobre a Igreja Católica, a figura do Papa, as relações de poder dentro do Vaticano, a fé, etc.
Mas é também um filme sobre as relações humanas, o diálogo necessário e possível entre forças antagônicas, o perdão, etc.
É um admirável filme realizado pelo brasileiro Fernando Meirelles, que se projetou internacionalmente depois que fez Cidade de Deus.
Nem Ratzinger (Anthony Hopkins, brilhante!) é tão mau quanto dizem os que o chamam de nazista nem Bergoglio (Jonathan Pryce, que foi Perón em Evita) é tão bom quanto asseguram os seus defensores.
É o que Dois Papas parece nos dizer o tempo todo.
Ratzinger absolve Bergoglio, e Bergoglio absolve Ratzinger.
Bons e maus, naturalmente divididos entre o bem e o mal, entre as virtudes e os pecados, os dois se fundem nas longas conversas que compõem a narrativa.
Conversas muito bem escritas por Anthony McCarten e extremamente bem filmadas por Meirelles.
Bergoglio humaniza Ratzinger com "trivialidades". O Abba, os Beatles, o futebol, o tango, a pizza e a fanta da vizinhança do Vaticano.
Ratzinger se permite humanizar, e a tradução está na cena em que ele abre a porta e vai ao encontro de um grupo de turistas. Está cansado de ser protegido por seguranças.
Vendo o filme, lembrei de Dom Hélder Câmara conversando com Paulo VI.
"Paulo, saia desse palácio e vá morar numa casinha na periferia de Roma. É mais compatível com o cristianismo" - sugeriu o então arcebispo de Olinda e Recife.
"Não posso, Helder. Eu sou um chefe de Estado" - respondeu o Papa.
Após a renúncia, como na canção de Paul McCartney, Ratzinger voa com suas asas quebradas, buscando a luz na noite escura.
Enquanto Bergoglio fica com o que nunca pareceu que um dia seria seu.
A Igreja de Francisco talvez tenha algo entre o sonho de Dom Hélder e o pragmatismo de Paulo VI.
Já será muito.
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