SILVIO OSIAS
O problema de Raul Seixas não era ser "funcionariozinho" de gravadora, como disse Ed Motta
Publicado em 22/02/2022 às 10:01
Ed Motta detonou Raul Seixas num vídeo muito visto e muito comentado. Disse que o roqueiro tinha falhas de caráter e questionou o seu talento musical.
Também questionou o fato de Raul ter trabalhado numa gravadora, a CBS. Foi "funcionariozinho" de gravadora, disse Ed Motta. O produtor musical Marcelo Fróes foi para as redes sociais lembrar que Tom Jobim, George Martin e Quincy Jones também foram.
O vídeo assanhou a legião de fãs de Raul, que ainda é grande, mais de 30 anos depois da morte do artista.
Sabem o que acho? Que ser "funcionariozinho" de gravadora não foi o maior problema da vida profissional e artística de Raul.
Eis o que questiono no seu trabalho:
Vindo de uma passagem pela Jovem Guarda, no início da década de 1970 ele deixou de ser chamado Raulzito para se projetar como uma das grandes expressões do rock brasileiro. O disco Krig-Ha Bandolo!, que o consagrou em 1973, não faz parte apenas das antologias do pop/rock nacional. É, com suas qualidades e seus defeitos, um dos discos fundamentais da nossa música popular.
Sou contemporâneo da explosão de Raul Seixas. Ouvi Krig-Ha Bandolo! com o entusiasmo da época e, logo em seguida, Gita. Mas não acompanhei sua trajetória com o interesse que tive pelos dois primeiros discos. Fui ouvi-lo de novo muito mais tarde. E já com o devido distanciamento.
Gosto de Raul sem concordar com alguns elogios que lhe são feitos. Não sou um admirador incondicional. Nem faço parte do grupo que o tem como um verdadeiro pensador, um filósofo. Claro que não. Prefiro enxergar nele um rocker esperto que promoveu o encontro de Elvis Presley com Luiz Gonzaga (dois dos seus ídolos) e obteve êxito nesta mistura maluca e improvável.
Antes de Krig-Ha Bandolo!, Raul Seixas frequentou as paradas com uma música que já confirmava esta fusão. Era Let Me Sing, Let Me Sing. Suas fontes eram de facílima identificação: de um lado, o rock primitivo dos anos 1950 e também as baladas da época; do outro, os ritmos nordestinos. No meio, um certo mau gosto (alguns chamarão de brega), oriundo do seu vínculo com a Jovem Guarda. Ou da admiração por um lado bem popularesco da nossa canção.
Os ingredientes que Raul jogava em seu caldeirão sonoro levaram muita gente a considerá-lo genial. Um exagero. Ele era apenas suficientemente habilidoso para fazer a mistura e superar suas limitações.
No blues, e depois no rock primitivo, os riffs e as melodias se repetem. Ganham novas letras, como se fossem outras músicas, e ninguém é chamado de plagiador. Raul Seixas usou e abusou do método.
Vamos conferir:
A Verdade Sobre a Nostalgia parece uma versão de My Baby Left Me. A introdução de Rock do Diabo é igual à de Honey Don’t. O refrão de Gita é como o de No Expectations, dos Rolling Stones. As Minas do Rei Salomão dá a impressão de que estamos ouvindo o Dylan de I Want You.
Tem mais:
S.O.S. remete a Mr. Spaceman, dos Byrds, e Dia da Saudade, a Get Back, dos Beatles. Meu Amigo Pedro lembra um dos temas que Dylan compôs para o filme Pat Garrett &Billy the Kid. Algumas vezes, ele exagerava. Ave Maria da Rua incomodará o ouvinte se este pensar em I'll Be All Right.
Uma frase de Raul fala de quem ele era: “finjo que sou cantor e compositor e todo mundo acredita”.
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