SILVIO OSIAS
"O Sol se reparte em cardinales bonitas"
A atriz Claudia Cardinale morreu aos 87 anos nesta terça-feira, 23 de setembro de 2025.
Publicado em 24/09/2025 às 6:42

Na semana passada, foi Robert Redford. Agora, Claudia Cardinale. A atriz morreu nesta terça-feira, 23 de setembro de 2025. Estava com 87 anos, completados em abril.
Assim que vi a notícia da morte, lembrei dos versos de Caetano Veloso: "O sol se reparte em crimes/Espaçonaves, guerrilhas/Em cardinales bonitas/Eu vou".
É um trecho da letra de Alegria, Alegria. A canção, uma marchinha acompanhada por guitarras elétricas, vem de longe, daquele festival de MPB do ano de 1967.
Os versos de Caetano Veloso que falam de Claudia Cardinale, como outros da canção, são instantâneos do tempo em que foram escritos, a segunda metade dos anos 1960.
"Cardinales bonitas". Claudia Cardinale está associada às belezas daquela década. E não há nenhum demérito em ser bela como Cardinale era e como, assim, marcou o cinema.
Claudia Cardinale atuou em alguns grandes filmes. Se eu tivesse que escolher um, mas somente um, seria O Leopardo, que Luchino Visconti realizou em 1963.
Ela é Angelica. "O prefeito não se fez acompanhar da inapresentável esposa, mas da bela filha Angelica, interpretada por Claudia Cardinale no auge de sua extraordinária beleza", escreve o crítico de cinema estadunidense Roger Ebert.
No segundo volume de The Great Movies, Ebert está descrevendo a cena do baile, uma sequência que se estende por 45 minutos. Ebert recorre a outro crítico, Derek Malcolm: "É uma sequência de expressão cenográfica raramente igualada".
Sob a batuta de Luchino Visconti, há três gigantes em cena: Burt Lancaster, Alain Delon e Claudia Cardinale. Tancredi (Delon) se apaixona por Angelica (Cardinale).
Burt Lancaster, o velho príncipe Don Fabrizio, dança com Angelica. Angelica e Fabrizio, "cada qual ciente do outro, tanto sexual quanto politicamente", diz Ebert.
E segue: "Ele poderia ter tido aquela mulher, teria sabido o que fazer com ela...ouvido seus gritos de prazer, se por acaso 25 anos não se interpusessem entre ambos".
O Leopardo é de 1963. Oito e Meio também é de 1963. Muita gente considera a obra-prima de Federico Fellini. É outro ponto alto da carreira de Claudia Cardinale.
Em Oito e Meio, Marcelo Mastroianni é Guido, um diretor de cinema. Claudia Cardinale é Carla, sua amante. Novamente, recorro aos escritos de Roger Ebert:
"Guido visualiza a mulher ideal, corporificada por Claudia Cardinale - tranquila, confortadora, maravilhosa, serena, inquestionável, dona de todas as respostas e sem nenhuma dúvida. Ele a transforma em sua musa e se conforta no seu amparo imaginário".
Ao lado de Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale está em O Belo Antônio (1961), de Mauro Bolognini. Sob Valerio Zurlini, está em A Moça com a Valise (1961). Sob Luchino Visconti, aparece em Vagas Estrelas da Ursa (1965).
Lee Marvin, Burt Lancaster, Robert Ryan e Jack Palance são seus companheiros de elenco no western americano Os Profissionais, que Richard Brooks dirigiu em 1968.
Também em 1968, Henry Fonda e Charles Bronson estão com Claudia Cardinale no elenco de Era Uma Vez no Oeste, cultuadíssimo western dirigido por Sergio Leone.
Em 1982, quando filmou Fitzcarraldo na região amazônica, Werner Herzog trouxe Claudia Cardinale. O filme tem Klaus Kinski, com quem Herzog gostava de trabalhar, e um elenco brasileiro - José Lewgoy, Grande Otelo, Milton Nascimento.
A primeira vez em que vi Claudia Cardinale no cinema foi na minha infância, num dos filmes que ela fez nos Estados Unidos. O Mundo do Circo (1964), de Henry Hathaway, tem John Wayne e Rita Hayworth atuando ao lado de Claudia Cardinale.
Nem sei se é um grande filme. Nunca mais pude revê-lo. Mas impressionou meu olhar infantil. O circo que se perde num grave acidente, a luta para recuperá-lo, o fascínio que os bastidores dos circos exercem e que já foram mostrados em tantos filmes.
A morte de Claudia Cardinale traz lembranças do cinema de um tempo remoto. O Leopardo está no topo da sua carreira. O Mundo do Circo é doce evocação da infância.
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