SILVIO OSIAS
Pobre jornalismo cultural. Rolling Stone e o prato-e-faca de Moreno
Publicado em 11/08/2020 às 20:48 | Atualizado em 30/08/2021 às 20:55
Pobre jornalismo cultural.
No último domingo (09), na legenda de uma foto, o centenário jornal paraibano A União maculou suas tradições ao mudar o nome de um poema de Carlos Drummond de Andrade.
Transformou Canção Amiga (sim, Canção Amiga, que ganhou melodia de Milton Nascimento há mais de 40 anos) em Na Barriga da Mulher.
Tudo porque, além de não conhecer o poema, quem editou a matéria não há de ter entendido o texto do colunista Kubi Pinheiro, que precisou recorrer às redes sociais para não ser identificado como autor de erro tão grosseiro.
Pegue Nova Reunião (Companhia Das Letras), esse volume de quase 1000 páginas com toda a poesia de Drummond, vá ao índice de títulos e, na letra C, confira: "Canção amiga", 206.
"Eu preparo uma canção..." - lembram?
Na letra N, é claro que não há nenhuma Na Barriga da Mulher.
Só no anedotário do nosso jornalismo cultural.
Pobre jornalismo cultural.
Outro absurdo veio da revista Rolling Stone.
"Momento cômico e inusitado" - foi como a revista definiu o prato-e-faca tocado por Moreno Veloso na live em que, sexta passada (07), Caetano Veloso festejou seus 78 anos.
Não tem nada de cômico.
Nem de inusitado.
Fui apresentado ao prato-e-faca aos 13 anos, em 1972, quando Caetano Veloso lançou Araçá Azul, disco fortemente experimental.
Logo na faixa de abertura (Viola Meu Bem), ouvíamos a voz de Dona Edith do Prato e, naturalmente, o prato-e-faca que ela tocava.
É instrumento do samba-de-roda que se canta e dança lindamente na Bahia.
O próprio Moreno Veloso usava, em 1998, quando subia ao palco no show Livro Vivo e cantava How Beautiful Could a Being Be.
Também estava entre os instrumentos que Moreno tocava na turnê Ofertório, em 2018/2019, que reunia Caetano e seus três filhos.
O prato-e-faca me foi apresentado em 1972 graças a Caetano Veloso, mas há registros do seu uso 100 anos antes, na segunda metade do século XIX, e também no João da Bahiana ouvido na década de 1920, como assinala GG Albuquerque, jornalista de Pernambuco, em oportuno artigo postado nesta segunda-feira (10), já em resposta à burrice e à ignorância da revista Rolling Stone.
Pobre jornalismo cultural.
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