SILVIO OSIAS
Quentin Tarantino faz 60 anos e diz que próximo filme será o último
Publicado em 29/03/2023 às 7:55
Quentin Tarantino fez 60 anos na última segunda-feira (27). Na estreia como diretor, com Cães de Aluguel, em 1992, tinha 29 anos. De lá até Era uma Vez em Hollywood, de 2019, se considerarmos (e ele assim o considera) os dois Kill Bill como um único filme, dirigiu nove filmes. O próximo, The Movie Critic, previsto para 2024, será o décimo e também o último, conforme o cineasta tem anunciado.
Quentin Tarantino é um dos maiores cineastas do mundo, talvez o maior entre todos os que foram revelados nas últimas três décadas. Em sua filmografia, não há erros, somente acertos. Não consigo enxergá-lo sob outra perspectiva. O Dicionário de Cinema/Os Diretores, na edição que tenho, é da época em que ele havia realizado apenas Cães de Aluguel e Pulp Fiction, mas já o apresenta como um dos grandes.
Tanto que compara a sua estreia, pelo impacto que provocou, às consagrações iniciais de Stanley Kubrick e Steven Spielberg. Uma observação muito perspicaz porque foi feita quando ainda eram pequenos os parâmetros de avaliação do cinema de Tarantino. O autor, Jean Tulard, diz que o seu estilo de filmar alterna cenas de violência com longos diálogos e que estes são tão bons que, se durassem uma hora, poucos reclamariam.
Como Stanley Kubrick e ao contrário de Steven Spielberg, Tarantino filma pouco. De 1992 a 2019, dirigiu apenas nove filmes. A qualidade sobrepondo-se à quantidade. E, já que Tulard menciona Spielberg, lembro que este, numa cerimônia do Oscar de muitos anos atrás, defendeu o uso da boa palavra no cinema, como se ela estivesse escassa. Algo - a boa palavra - que chama atenção em Quentin Tarantino.
Já o crítico Roger Ebert também se impressiona com os diálogos escritos pelo cineasta: “Diálogo de tão alta qualidade {referindo-se a Pulp Fiction} que é digno de ser comparado com outros mestres da prosa enxuta e rude”, diz Ebert num dos ensaios críticos do livro A Magia do Cinema.
Cães de Aluguel, o primeiro filme de Tarantino, começa com uma longa conversa numa mesa. Os homens, que depois veremos envolvidos num assalto frustrado, falam de Madonna, comentam a canção Like a Virgin. A câmera gira enquanto eles conversam. Semelhante ao diálogo das quatro protagonistas de À Prova de Morte, também numa mesa, que falam do carro utilizado em Corrida Contra o Destino, filme cult do início da década de 1970 que nem todos os cinéfilos de hoje conhecem. Das quatro mulheres, somente duas viram e reverenciam CorridaContra o Destino. Como Tarantino, que vai buscar nos filmes que viu a matéria-prima do seu cinema.
Os filmes de Quentin Tarantino recuperam o melhor diálogo do cinema. Seus personagens falam tanto quanto os tipos que vemos em cena num noir como Relíquia Macabra. Ou num clássico hitchcockiano como FestimDiabólico. A prosa enxuta e rude que Ebert enxerga em Pulp Fiction é a mesma que temos nas intermináveis conversas sobre sexo e cinema de À Prova de Morte. Ou na extensa cena do jantar em Django Livre. Elas se alternam com grandes sequências. Ou nos conduzem a elas. E aí surge outro elemento imprescindível ao cinema de Tarantino: a música, retirada de uma discoteca afetiva que não precisa existir fisicamente.
No início, poucos bancariam um filme como Cães de Aluguel. Hoje, Tarantino enche as salas do mundo inteiro e, curiosamente, consegue agradar aos que não compreendem o seu complexo jogo de intertextualidade. Mas a percepção mais prazerosa fica para os cinéfilos. Aqueles que se deliciarão com cada cena recriada, com cada referência, com o lixo reciclado, com o que é ressignificado por sua extraordinária maestria e pelo absoluto domínio que tem da arte de fazer cinema.
É justo dizer que Quentin Tarantino gosta de fazer filmes sobre o tema da vingança (Kill Bill, Bastardos Inglórios, À Prova de Morte, Django Livre, etc.). Há também a questão da violência que, antes de chegar a ele, teve eloquentes releituras nas mãos de Sam Peckinpah e Martin Scorsese.
Mas há, sobretudo, o próprio cinema. O tempo todo, quando é óbvio e quando não é, o que Quentin Tarantino faz mesmo são grandes filmes sobre cinema.
CÃES DE ALUGUEL, 1992
PULP FICTION, 1994
JACKIE BROWN, 1997
KILL BILL: VOLUME 1, 2003/KILL BILL: VOLUME 2, 2004
À PROVA DE MORTE, 2007
BASTARDOS INGLÓRIOS, 2009
DJANGO LIVRE, 2012
OS OITO ODIADOS, 2015
ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD, 2019
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