icon search
icon search
icon search
icon search
home icon Home > cultura > silvio osias
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
Compartilhe o artigo
compartilhar no whatsapp compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin copiar link deste artigo
compartilhar artigo

SILVIO OSIAS

Retrato do artista diante da morte

Publicado em 14/09/2017 às 6:32 | Atualizado em 31/08/2021 às 7:44

Mexendo no Youtube, reencontro esse vídeo que muito me comoveu quando o vi pela primeira vez, em 2010, por ocasião da morte do músico Paulo Moura.

Resgato, então, o texto que escrevi na época.

Comovente a imagem de Paulo Moura tocando Doce de Coco dois dias antes de morrer, na Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro. Ele se foi na segunda, 12 de julho. A gravação é do sábado, 10. Sentado, com o braço direito ligado ao soro, Moura executa ao clarinete o tema composto por Jacob do Bandolim e é acompanhado por um piano elétrico. Parece estar na varanda de um quarto da clínica onde passou seus últimos dias.

A execução é imprecisa, os improvisos não soam como nos discos que gravou ou nos palcos em que se apresentou, mas não importa. O que procuramos ali não é mais o homem no abismo da improvisação. O que temos naquelas imagens e naqueles sons é um homem diante da morte. E certamente consciente da proximidade dela.

O músico que o acompanha não aparece. A câmera se detém em Paulo Moura, enquadrado sempre em primeiro plano. Às vezes, num big close que nos deixa ver seus olhos claros. O chapéu remete a Tom Jobim, de quem, em seu último disco, gravou algumas composições num formato que chamou de AfroBossaNova. É Moura ao lado do bandolinista Armando Macedo, relendo Tom com uma “pegada” afro-baiana. Dialogando – quem sabe? – com os afro-sambas de Baden e Vinícius. Ou com os precursores destes (Água de Beber, O Morro Não Tem Vez).

Vi Paulo Moura ao vivo pela primeira vez no Teatro Santa Roza, no Projeto Pixinguinha de 1978. Na última vez em que esteve aqui, trouxe o AfroBossaNova para a Praça do Povo do Espaço Cultural, numa noite de chuva torrencial e pouco público. Durante o show, disse a um amigo que estava ao meu lado: “Contemple. É Paulo Moura aos 75 anos, tocando Tom”.

Nos bastidores, conversamos sobre música: os sambas de Jobim que parecem antecipar os afro-sambas de Baden e Vinícius; as lembranças do histórico show da Bossa Nova no Carnegie Hall; a sua presença no palco, a de Oliver Nelson na plateia. Nelson e The Blues and the Abstract Truth, disco extraordinário do jazz.

E lembrei dos discos que gravou. Dos que prefiro: Confusão Urbana, Suburbana e Rural, que tem Espinha de Bacalhau, de Severino Araújo; e Mistura e Manda, que inverte o formato usualmente adotado pelos músicos de jazz, do improviso dando sequência ao tema. Em Chorinho pra Você, também de Severino Araújo, o improviso vem antes do tema.

Volto à Clínica São Vicente. No final da execução de Doce de Coco, os amigos ao redor aplaudem. Wagner Tiso chega perto e lhe dá um abraço. Paulo Moura beija o clarinete. A mulher que está ao seu lado também beija o instrumento. Vejo a imagem pensando que apenas dois dias separavam o artista da morte.

Imagem ilustrativa da imagem Retrato do artista diante da morte

Silvio Osias

Tags

Comentários

Leia Também

  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
    compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp
  • compartilhar no whatsapp