SILVIO OSIAS
RETRO2023/Beatles e Rolling Stones
Publicado em 20/12/2023 às 7:33
2023 foi um ano atípico. Teve música inédita dos Beatles. Teve disco novo dos Rolling Stones. Ouvi, comentei e agora posto na minha breve retrospectiva desse ano que está chegando ao fim.
Em 1994, Yoko Ono entregou a Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr uma fita com quatro músicas que John Lennon compôs dois ou três anos antes de ser assassinado. Registros com voz e piano.
Paul, George e Ringo finalizaram Free as a Bird e Real Love. Ficaram muito boas e entraram no projeto Anthology. Grow OldWith Me foi rejeitada porque já havia sido incluída num álbum póstumo de John. Now and Then, por ser tecnicamente precária.
George morreu em 2001, mas deixou gravado algum registro do momento em que trabalhou sobre o original de Now and Then. Em 2023, com recursos de inteligência artificial, Paul e Ringo, afinal, tornaram Now and Then uma canção inédita dos Beatles.
O mundo conheceu Now and Then no dia dois de novembro. Uma música nova dos Beatles. Uma música inédita dos Beatles. Ou melhor: a última música dos Beatles, como está sendo vendida. Com John, Paul, George e Ringo, dizem que não haverá outra.
No mundo do rock, considero os Beatles os melhores, os mais importantes, os mais criativos, os que mais influência exerceram. Não tem pra ninguém. Nem Elvis, nem Dylan, nem Hendrix, nem os Rolling Stones. Beatles e ponto final.
Para falar mal dos Beatles, coisa que rarissimamente faço, preciso fazer essa ressalva, sabendo que, ainda assim, corro o risco de ser execrado pelos fãs fundamentalistas do quarteto. Mas vamos lá: Now and Then não é uma boa canção.
Essa última música dos Beatles é fraquinha, fraquinha, a despeito de todos os esforços que Paul McCartney e Ringo Starr fizeram para finalizá-la. Não merece mais do que duas estrelas. É produto de um John Lennon menor. Um Lennon muito pouco inspirado.
No dia dois de novembro, pontualmente às 11 horas da manhã, estava eu de plantão diante de um desses serviços de streaming para ouvir a última música dos Beatles. Que decepção. Now and Then está longe, muito longe da qualidade que o grupo sempre ostentou.
Curioso. Em seu último disco, Double Fantasy, lançado em 1980, Lennon exibiu uma ótima safra de canções. Starting Over, BeatifulBoy, Watching the Wheels, Woman. Nem Free as a Bird ou Real Love. Muito menos Now and Then.
Não há resposta para a pergunta, mas, mesmo assim, vou fazê-la: será que Lennon botaria Now and Then num álbum dos Beatles? Ou num dos seus álbuns? Duvido. Não passou pelo crivo de George Harrison. Passaria pelo seu?
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Os Rolling Stones, se considerarmos a discografia do Reino Unido e não a dos Estados Unidos, lançaram oito álbuns de estúdio na década de 1960. São os anos de formação e consolidação da banda. Entre eles, há After Math, Beggars Banquet e Let It Bleed.
Na década de 1970, quando as discografias passaram a ser iguais no Reino Unido e nos Estados Unidos, foram sete álbuns de estúdio. Entre eles, há Sticky Fingers, Exile on Main St. e Some Girls. Os Rolling Stones já eram os Rolling Stones.
Na década de 1980, foram quatro álbuns de estúdio. A década começa com Tattoo You e termina com Steel Wheels. Os conflitos se acentuam, e Undercover e Dirty Work são quase que consensualmente considerados ruins.
Na década de 1990, transformados em quarteto com a saída do baixista Bill Wyman, os Rolling Stones lançaram somente dois discos de estúdio (Voodoo Lounge melhor do que Bridges to Babylon), mas caíram na estrada com força.
Na primeira década do século XXI, A Bigger Bang foi o único disco de estúdio da banda. Enquanto brilhavam nos palcos do mundo, os Rolling Stones ofereciam ao seu público um disco ruim, que quase nada deixou em nossa memória.
Corte. Intervalo de 18 anos. Em 2023, já na terceira década do século XXI, os Rolling Stones, transformados em trio com a morte do baterista Charlie Watts, lançam Hackney Diamonds, seu novo álbum de estúdio.
Há que se concluir que são mesmo uns danados esses velhinhos que têm Mick Jagger como frontman! Hackney Diamonds é um ótimo álbum. Para muita gente, o melhor desde Tattoo You, que foi lançado há remotos 42 anos.
Angry, o primeiro single do álbum, é o rock básico que os Rolling Stones fazem como ninguém. Sweet Sounds of Heaven, o segundo single, é um negócio devastador. Meio blues, meio gospel. Lady Gaga cantando com Jagger. Stevie Wonder ao piano. Deus do céu!
Aí vem o álbum. 12 faixas. Além de Gaga e Wonder, tem Paul McCartney no baixo e Elton John no piano - todos, auxílios luxuosíssimos. E tem até Jagger, Richards, Wood, Watts e Wyman - os Rolling Stones em sua grande formação, quando eram um quinteto.
Botaram um "menino" para produzir o disco. O cara, Andrew Watt, acabou de fazer 33 anos. Tem seus críticos: "comprimiu demais o som da banda". Mas Jagger sabe o que fez. Quis ser novo sendo velho. Ou velho sendo novo.
É o melhor álbum desde Tattoo You? É melhor do que Voodoo Lounge? Não importa. O que importa é que Hackney Diamonds traz os Rolling Stones em plena forma. É um disco muito bom dessa banda que está há mais de 60 anos na estrada do rock.
O repertório tem rock, blues, country, gospel e "toda uma gama de música pop" - como Jagger disse certa vez para definir o que os Rolling Stones sempre fizeram. As faixas se sucedem num nível que não frustrará os aficionados da banda.
De Hackney Diamonds, o que ficará na memória afetivas das pessoas que ouvem e amam os Rolling Stones há décadas? Não sei ainda. Faz pouco que migrei das audições no streaming para o prazer do disco físico. Não vou para o faixa a faixa.
Mas acho que dá para cravar: Sweet Sounds of Heaven é o ponto alto do álbum. Com seus mais de sete minutos, poderia estar em qualquer um dos grandes álbuns da banda. A gente ouve e diz: esses são os Rolling Stones no que eles têm de melhor.
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