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SILVIO OSIAS

Rita Lee, minha adorável Rita Lee, quando escurece, eu levo o seu coração

Publicado em 09/05/2023 às 14:01 | Atualizado em 10/05/2023 às 1:09


                                        
                                            Rita Lee, minha adorável Rita Lee, quando escurece, eu levo o seu coração

Rita Lee morreu. Quando soube, me ocorreram quatro momentos musicais. O primeiro deles: Lovely Rita. Canção de Paul McCartney do álbum Sgt. Pepper, dos Beatles. Lembrei por vários motivos: tem o Rita no título e na letra; é de 1967, o ano em que Rita Lee começou a se projetar nacionalmente; permite o trocadilho delicioso do lovely com um lovelee que a gente só imagina. E, por fim, pelo verso que posto de forma imprecisa e que dá título à coluna: "Rita, minha adorada Rita, quando escurece, eu levo o seu coração".

A segunda lembrança foi de uma canção chamada Rita Lee, que está no segundo álbum dos Mutantes, de 1968: "Rita Lee foi passear/Vinte anos namorar talvez/Dia azul e ela é infeliz/Suas mãos estão vazias/Porque estão tão frias/Tanto amor pra dar/Ela quer ser feliz/Ela só quer seu par". A voz é de Arnaldo Baptista. Arnaldo e Rita se amaram, foram marido e mulher, e a relação terminou muito mal. Enquanto ela conquistava o sucesso, ele chegou perto da morte e ficou com sequelas para toda a vida.

A terceira lembrança foi de Quando, um rock que Gilberto Gil cantava em 1976, no tempo dos Doces Bárbaros: "Há muito tempo uma mulher sentou-se e leu na bola de cristal/Que uma menina loira ia vir de uma cidade industrial/De bicicleta, de bermuda, mutante, bonita/Solta, decidida, cheia de vida etc e tal/Cantando o yê, yê, yê, yê, yê, yê, yê". Gil, com quem Rita esteve tantas vezes. Era com os Mutantes (Rita e os irmãos Arnaldo e Sérgio) que Gilberto Gil estava, em 1967, ao cantar Domingo no Parque no festival de MPB. E era com Rita que ele estava, uma década depois, na turnê Refestança, registrada num álbum ao vivo.

A quarta lembrança foi esta: "Ainda não havia para mim Rita Lee/A tua mais completa tradução/Alguma coisa acontece no meu coração/Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João". É, na letra de Sampa, em 1978, Caetano Veloso enxergando em Rita a mais completa tradução de São Paulo, onde ela nasceu no dia 31 de dezembro de 1947.

"São Paulo, minha cidade amada, túmulo do samba, berço do rock" - como traduziu a própria Rita Lee no palco do Pacaembu, em janeiro de 1995, ao abrir o primeiro show dos Rolling Stones no Brasil.

Três fases podem resumir a carreira de Rita Lee. No começo, há os Mutantes. Um trio (Rita, Arnaldo e Sérgio) que virou um quinteto (Rita, Arnaldo, Sérgio, Dinho Leme e Liminha), produzindo rock de vanguarda, participando ativamente do movimento tropicalista e se transformando, bem mais tarde, na banda brasileira de rock mais reverenciada no planeta.

Depois veio o rock, rock mesmo, da fase Tutti Frutti. Ela e sua banda. Uma mulher band leader num universo musical bem machista. Rita Lee e Tutti Frutti. Os álbuns Fruto Proibido, Entradas e Bandeiras, Babilônia. Ovelha Negra e uma penca de sucessos, rocks, baladas, blues. Melodias que marcaram uma época, letras incríveis - tudo com a assinatura da talentosa melodista e da inteligente letrista que Rita Lee sempre foi.

Por fim, o pop, resultado do casamento (musical e no amor) com o guitarrista, tecladista e compositor Roberto de Carvalho. Entre o final da década de 1970 e o início da de 1980, Rita entregou-se totalmente ao sucesso, compôs e gravou seus maiores hits, demonstrando cabalmente que não existe nenhuma incompatibilidade entre qualidade e sucesso comercial. Ela e Roberto se consolidaram, então, como extraordinários hitmakers - autores de todas essas canções que nos emocionam nesse momento em que recebemos a notícia da morte de Rita Lee, consumida em dois anos por um agressivo e irreversível câncer de pulmão.

Rita Lee sempre foi identificada com o rock, mas não quero deixar de mencionar que João Gilberto viu nela uma cantora de rock que cantava bossa nova. Ou uma cantora de bossa nova que cantava rock. É lindo, é profundo, é perfeito. Creio que só um artista imenso como João Gilberto diria algo assim, que, a um só tempo, é tão simples e diz tanto.

Rita Lee foi da música, mas foi muito além da música. Pelas atitudes, pela inteligência, pela graça que sabia inserir no seu comportamento e na visão que tinha das pessoas e do mundo. Irreverente, mas, principalmente, transgressora. Sabem aquela transgressão absolutamente necessária nesses cenários cheios de gente careta e covarde? Rita sempre deixou que esta estivesse ao seu lado. E - tão importante! - compôs para as mulheres, cantou para as mulheres, gritou pelas mulheres, sem que fosse uma ativista dogmática do feminismo padrão.

Não queria misturar Rita Lee com a política, mas é preciso. Felizmente, hoje temos no Brasil um presidente que se manifesta e lamenta a morte dos brasileiros e brasileiras importantes, como Lula fez hoje logo que soube da morte de Rita.

Rita Lee foi pioneira quando se pensa no papel da mulher na história da música popular brasileira. Ela cresceu num tempo em que havia poucas mulheres compondo e gravando suas canções. Criticada por sua identificação com o rock, sua música é muitíssimo brasileira. Nada de alienação, como muito se disse, e sim profunda identificação com as coisas do Brasil, com as nossas irreverências, com os nossos humores, com as nossas alegrias.

Lembrando dos Mutantes, Rita Lee foi passear no fim da noite desta segunda-feira (08). Foi e não volta mais, mas deixou um legado imenso. Felizes os que, como nós, fomos seus contemporâneos. Rita Lee foi (é) uma grande brasileira.

Imagem ilustrativa da imagem Rita Lee, minha adorável Rita Lee, quando escurece, eu levo o seu coração

Silvio Osias

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