Sem anistia para golpistas, sim. Congresso inimigo do povo, não

Para começar, parto do princípio de que o atual Congresso é o pior que o Brasil já teve desde que, há 40 anos, a ditadura militar acabou e começou a redemocratização.

Nessas últimas quatro décadas, nunca vimos um parlamento tão reacionário, com tanta gente agindo na defesa de ideias que são absolutamente indefensáveis.

Mas nem isso deve apontar para a visão de que o Congresso Nacional é inimigo do povo. Ainda que muitos dos que lá estão se comportem como reais inimigos do povo.

Tenho visto com frequência duas postagens nas redes sociais: uma diz "Sem anistia para golpistas". A outra, "Congresso inimigo do povo". Às vezes, as duas estão juntas.

"Sem anistia para golpistas". Sim, sem anistia para golpistas. Sou contemporâneo da anistia anterior, a do final da década de 1970, que permitiu a volta dos exilados.

Ali, estavam sendo anistiados brasileiros e brasileiras que lutaram contra uma ditadura. Agora, é o contrário. Querem anistia para quem lutou por um golpe de estado.

Discutir o tamanho das penas? Tudo bem, faz parte. Agora, perdoar os que atentaram contra a democracia? Não. "Sem anistia para golpistas" - estou com a hastag.

"Congresso inimigo do povo". Não. Ver no Congresso um inimigo do povo é se posicionar contra uma das bases da vida democrática. Mesmo que seja o pior Congresso.

É tão simples. É tão óbvio. É tão cristalino. Aprendemos logo cedo. Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder Judiciário. Sem os três poderes, não existe democracia.

Faz tão pouco tempo. O então presidente Jair Bolsonaro descia a rampa aos domingos e ia ao encontro de manifestantes que se reuniam em frente ao Palácio do Planalto.

E o que pediam aqueles bolsonaristas fanáticos? O fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, um golpe de estado e a volta da ditadura militar.

Os que pertencem ao campo democrático não podem, em nenhum momento, ver no Congresso um inimigo do povo. Estarão se aproximando das ideias que não são do campo democrático. Congresso inimigo do povo - isso é coisa para a extrema direita.

O atual parlamento é ruim? Sim. É muito ruim. Mas o próximo será pior, se seguirmos o que, profeticamente, dizia Ulysses Guimarães, grande artífice da democracia brasileira.

Na eleição de 2022, Lula, que representava o campo democrático, ganhou por pouco. Bolsonaro chegou bem perto da reeleição. Teria vencido se não tivesse errado tanto.

O Congresso que temos representa o que somos. As escolhas erradas, as omissões que cometemos, o voto nos maus candidatos - o que fazemos diante da urna eletrônica.

Criticar os deputados e senadores? Sim. Questionar as suas atitudes? Sim. Constatar o quanto são medíocres? Também. Daí a achar que estão num lugar - o Congresso Nacional - que é inimigo do povo, isso, jamais. É jogar abertamente contra a democracia.

Fomos nós que os pusemos lá. Fomos nós que conferimos a eles o poder que têm. Eles, para o bem e para o mal, representam o conjunto do que somos enquanto povo.

"Sem anistia para golpistas". Sim. Eles - os golpistas de todos os tamanhos - merecem pagar pelos crimes que cometeram. "Congresso inimigo do povo". Não. É uma hastag equivocada e perigosa. Um Congresso funcionando, ainda que mal, é imprescindível.